terça-feira, 12 de janeiro de 2010
Um pouco além do Café de Flore
Sartre amava Paris e a cidade, principalmente a região de St Germain des Prés, foi cenário de muitas de suas histórias. A vida deste escritor que nasceu em 1905 e morreu em 1980, se confunde muito com a própria história do século XX.
Estou lendo a biografia dele e a parte que mais tem me fascinado foi o período em que Paris estava sobre a ocupação nazista e hoje resolvi visitar alguns dos lugares por onde Sartre passou que se relaciona com este período.
A primeira vez que ouvi falar deste escritor foi através de um grande amigo, o Cristiano Morais, que conheci quando estudava direito em Curitiba, lá pelos anos 1991, 1992. O Cris já era um grande conhecedor do escritor e do existencialismo e me explicou, meio sem paciência, um pouco sobre este movimento. Na época eu estava lendo um livro sobre São Francisco de Assis e ele me falou desse movimento ateísta, que foi o existencialismo.
Para um jovem que tinha sido educado numa família católica, no interior do Paraná, não foi uma coisa muito fácil de aceitar e, na época não fiquei muito animado em saber mais. A história deste escritor, no entanto, ficou amadurecendo em minha mente.
O Cris, que é uma das pessoas mais interessantes que conheci, me falou também de Camus e fui correndo ler o "O Estrangeiro" e depois "A Peste". Alguma revolução já começava tomar forma na minha cabeça e hoje foi uma boa data para lembrar disso tudo.
Percorrendo os cafés, hotéis e endereços onde os escritores se reuniam para, durante a guerra, pensar numa maneira de resistir a ocupação, foi como fazer uma retrospectiva do que tem me emocionado na vida.
O primeiro local que visitei foi o Hotel Mistral, onde Sartre e Simone de Beauvoir moraram durante o período mais difícil de suas vidas. Logo que ele voltou da guerra, conseguiu um emprego de professor em Paris, mas a França na época da ocupação passava por grandes dificuldades. Os Alemães controlavam tudo, tinha o toque de recolher e tudo era racionalizado, até para conseguir cigarro eles tinham dificuldades. Além da baixa remuneração que recebiam.
Nessa época Sartre passava horas no salão superior no café de flore, sem pedir nada além de um café. Ele escrevia muito, como forma de suportar o que estava acontecendo na Europa. Segundo sua biógrafa, Annie Cohen-Solal, foi aí que começou a nascer o pensador que o mundo aprenderia a amar.
No metrô, indo para estação Gaîté, li a parte do livro que falava do Hotel:
"O território de Sartre para o primeiro inverno nazista passado em Paris? Reduzido a um triângulo: Montparnasse, Passy, Saint-Lazarre. Em Montparnasse, é o hotel Mistral, triste e encardido, entre a avenida du Maine e a rua de la Gaîte." (...)
Desci na estação e segui a indicação do livro. Andei a rua toda e nada. Encontrei vários hotéis, mas nenhum deles com esse nome. Aproveitei para treinar meu francês e comecei a perguntar pra todo mundo que eu achava que poderia me dar essa informação e, ouvi várias explicações diferentes, parece que eles tinham vergonha de dizer que não sabia, afinal era um estrangeiro interessado numa história deles e se tem uma coisa que os franceses são, é orgulhosos de seu passado.
Estava frio demais para continuar andando em vão. Parei num café, aproveitei para me esquentar e, com poucos cliques na internete descobri o endereço, o mapa... eu estava a menos de duas quadras do hotel Mistral, já podia sentir o ar de conspiração, as mentes borbulhantes de pensadores oprimidos durante um dos piores período da história recente da França.
Antes de sair, em tempo de terminar meu capuccino, li outra parte do livro:
"Sartre voltou da prisão, você tem que vir pra cá em seguida, no hotel Mistral... Só os íntimos estão presentes: Bost, Olga, Pouillon, Castor (Simone de Beauvoir) e Wanda... Sartre fala durante muito tempo, com voz incrivelmente decidida... Enxotar os alemães da França... testemunhar...convencer... conquistar o maior número possível de adesões à resistência..."
Senti uma emoção gratuita quando abri a porta pesada da antiga moradia de Sartre. Eu não sabia se teria algum sucesso em fazer uma visita. Na parede da frente, bem próximo a entrada tem uma placa dizendo sobre a estada dos dois moradores ilustres.
Acho que eu estava demostrando demais minha emoção, pois o recepcionista, nem exitou e foi me explicando que eles não sabem ao certo qual o quarto que eles moravam, mas tem certeza que fica no quarto andar e, antes de me entregar a chave, foi dizendo que o hotel tinha mudado muito, provavelmente por saber das afirmações do local ser sujo e sombrio.
Subi por uma escada de madeira apertada, onde possivelmente, Sartre e Beauvoir passaram tantas vezes. Eu estava realmente emocionado, não por causa dos escritores, mas sim pela sensação de estar olhando para história, coisa que amo tanto, de uma maneira diferente. Emoção distinta, por exemplo, de visitar uma igreja do século X, ou um castelo. Gosto disso também, mas a sensação de ter pesquisado e estar num lugar que é testemunha de coisas que fizeram diferença na história da humanidade, de que eu não tinha comprado um bilhete e estava fazendo uma visita pronta para me receber e sim ter procurado por aquele local... isso sim me trazia a sensação de fazer algo diferente, e foi o que me emocionou.
Fiquei o tempo que quis, fotografei, sentei no chão, para não desarrumar a cama, passei um tempo olhando pela janela, na direção do cemitério de Montparnasse onde, a menos de duas quadras, estão os túmulos de Sartre e Beauvoir, juntos, destinados a repousar para sempre um ao lado do outro, logo eles que não acreditavam em nada além da existência.
Sai dali feliz. Tentei visitar o cemitério, onde já tinha ido quando morei aqui em 2000, mas por causa da neve estava fechado.
A experiência Sartre porém estava apenas começando. Fui pra o seu bairro em Paris, o St Germain. Tentei conseguir um lugar no café de Flore, onde ele marcava seus encontros com alunos, amantes ou ficava lendo e escrevendo por horas. Muitos de seus manuscritos foram escritos ali.
Enquanto aguardava uma mesa fiquei fotografando. O local hoje é muito chic, frequentado por gente de muito dinheiro, mas tem também os turistas e algum desavisado que fica ali lendo e fazendo anotações em papel, desprezando a tecnologia dos mini computadores... enfim, Paris é uma cidade democrática, onde, como já disse, muita coisa é possível.
Pedi um café crème, um croissant e, depois de ver o da madame que compartilhava uma mesa que de tão perto parecia ser minha acompanhante, não resisti e pedi um chocolate especial Flore. Não sei se foi o preço que paguei, por volta do equivalente a R$ 18,00, ou a atmosfera do café, ou por estar olhando pro local onde o fotógrafo Brassai, fez uma de suas fotos mais conhecidas, ou pela mistura dos perfumes deliciosos, dos casacos forrados com cetim, espalhados pelas cadeiras vermelho e verde, tão característica do lugar, ou se por mais uma vez estar perto da história que venho estudando nos últimos anos e que sempre me fascinou, mas ali, num endereço nobre da cidade de Paris eu me sentia um sujeito feliz.
Outros endereços que visitei relacionados a vida de Sartre e beauvoir em Paris:
Rua Pierre-Nicole, no número 15, antiga residência de Edith Thomas onde um grupo de intelectuais se reuniam escondidos para escrever manifestos contra a ocupação nazista.
Segundo Annie Cohen-Solal era uma "concentração excepcional de homens de letras". (...) "Mas imagine-se a contenção do narcisismo, das invejas individuais, dos conflitos pessoais, do indispensável anonimato, e se terá a medida exata dessas reuniões clandestinas".
Bem próximo dali, no número 45 da Rua d'Ulm, visitei a Escola Normal Superior que Sartre frequentou em 1924. Uma das instituições mais ilustre de seu tempo.
Lá andei pelos corredores, desviando de estudantes que estavam em plena atividades, fiquei um tempo no jardim e conversei com uma estudante de literatura, a Amélie de Chaise Martin, de 23 anos, que está no penúltimo dos quatro anos do curso.
Pedi se ela sabia que Sartre tinha estudado ali, ela riu simpática e disse que é claro que sabia, mas quando perguntei qual escritor brasileiro ela conhecia, a resposta foi, nenhum...
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6 comentários:
Adorei a Experiência Sartre, meu amigo! E senti daqui a tua alegria de "sujeito feliz". Obrigada por nos levar a estes lugares tão especiais, guiados pelo teu coração de poeta.
Um beijo grande, neste dia de hoje, tão especial. Parabéns!
Cris
Uau, que viagem, querido! VOcê prometeu me fazer inveja e conseguiu. Fico feliz por você. Aproveite para contar onde está neste seu dia de aniversário. Parabéns pelo blog e por ficar mais velhinho hoje. Te espero na volta. Bj. Ana
Re, que coisa linda, que experiência. Quero muito um dia poder fazer um tour assim com você! Qd voltar vamos nos encontrar... quero saber de tudo. Beijos
Eita Renato, você arrasou. Digo sempre, que cada vez que mostro Paris pra um amigo, conheco uma Paris diferente. Cada olho vê uma coisa. Amei ver Paris pelos ou através dos seus.
bjos e vou roubar mesmo suas fotos.
eidia
www.oquevivipelomundo.blogspot.com
Simplesmente o máximo....
Palavras que nos faz sentir dentro da sua viagem....
Um beijo enorme.
Palavras que nos envolvem, nos leva para dentro da sua viagem....
Simplesmente o máximo....
Um beijo enorme,
Cássia
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