quinta-feira, 5 de julho de 2018

O que Vera Resende e Pavel Ershov tem em comum?

A fotografia tem movimentos surpreendentes, é uma linguagem que aproxima pessoas de culturas diferentes, que não precisa de tradução, basta um olhar e a comunicação acontece. Dias atrás, procurando trabalhos de fotógrafos no Instagram - está plataforma incrível para descoberta de novos talentos - me deparei com uma foto, de um Russo que me lembrou muito o ensaio “O que eu Deixei pra trás”, da fotógrafa brasileira Vera Resende.
Como curador, eu já havia mostrado estas imagens em exposições em São Paulo, na Galeria Olido e em Montreal, no Canadá. O ensaio autoral em questão foi feito por Vera para falar sobre o sentimento de ter deixado, quando criança, uma vida pacata no interior e ter ido morar na grande metrópole de São Paulo.
De maneira bastante criativa, Resende pegou um retrovisor, prendeu a um tripé e fotografou a paisagem bucolica do interior de Minas Gerais, Terra Natal de seu esposo.
O que vemos na imagem é um jogo que coloca em julgamento o caráter bidimensional da imagem fotográfica, a câmera, apontada para uma paisagem, onde o retrovisor está no centro, brinca com a ideia de nos mostrar o que não poderia ser visto, por está atrás da câmera.
A sensação é melancólica, de alguém que está indo embora para nunca mais voltar, de que foi arrancada de uma vida feliz e parte para uma aventura totalmente desconhecida nas grandes cidades. Simbólicamente, a última fotografia do ensaio o retrovisor aparece quebrado, deixando claro o rompimento com o passado.
É justamente este sentimento que encontrei nas imagens de Pavel, um jovem fotógrafo Russo, radicado em Moscou e que é, assumidamente, especialista em fotografias com cameras de celulares.
Diferente de Vera Resende, que usa o espelho do retrovisor, um aparato, digamos assim mais analógico, Pavel usa o próprio celular para mostrar o reflexo do que ficou pra trás. Exatamente a mesma ideia da brasileira.
A Rússia tem muitas coisas parecidas com o Brasil, ambos são grandes países, passam por crises econômicas e políticas que marcam suas histórias. Tanto no Brasil como na Rússia muita gente foi obrigada a deixar os pequenos centros e mudar para as grandes cidades a procura de estudo e trabalho.
O que me encanta nisto tudo é que ambos os fotógrafos nunca se falaram, uma está no Brasil, outro na Rússia há milhares de quilômetros de distância e os dois tiveram a mesma ideia e usaram a fotografia, cada um ao seu tempo, para falar sobre suas relações com memória, saudades, contato com a natureza, enfim, tratar de suas questões no mundo.
Prestes a montar uma exposição com o trabalho de fotógrafos brasileiros em Moscou - aproveitando os olhares do mundo para a capital Russa, entrei em contato com o fotógrafo xxx para convidá-lo para fazer parte do grupo, com 3 fotos desta série. O que aconteceu entre ele aceitar e o primeiro contato foi uma história a parte, esta precisando da linguagem escrita para acontecer.
Primeiro tentei em inglês, usando a ferramenta “enviar mensagem” que o instagram oferece. Não houve resposta. Depois passei a curtir várias fotos dele - um perfil bastante conhecido, com mais de 20 mil seguidores. Tentando me fazer notar, ele respondeu, mas em Russo.
Pedi então para uma amiga de Moscou, que mora no Brasil, fazer a traduzir. Ele estava desconfiado quanto as minhas intenções, mas no fim aceitou fazer parte da exposição coletiva.
Cheguei hoje em Moscou, depois de horas de voo, dois dias no Qatar, para fotografar os estádios da próxima Copa do Mundo, a de 2022. Pelo pouco que vi, será uma grande aventura passar as próximas semanas neste que é o maior país, em extensão territorial, da Terra.
Sábado abriremos a exposição que dei o nome de “Brazil Throught the Less”, em uma charmosa galeria - “Exposed” a poucas quadras da Praça Vermelha.
Além do trabalho de Vera Resende e Pavel Ershov, nosso convidado especial, temos mais 17 fotógrafos brasileiros. Alguns deles bastante conhecidos, como o documentarista Érico Hiller, a artista Ivana Panizzi, a paulistana Malu Mesquita, que tem um belo trabalho sobre as grandes cidades. Outros, são ex-alunos da Faculdade Senac, onde orgulhosamente leciono, a primeira faculdade da América Latina a ter um curso de fotografia e onde temos uma biblioteca especializada no assunto de deixar muita instituição internacionais de queixo caído.
A fotografia une pessoas, como disse Vilém Flusser em uma de suas inúmeras reflexões sobre a imagem, a linguagem imagética tem um apelo circular, diferente da escrita, que é linear, sendo circular, ela atua em diferentes áreas da percepção, o que dá um caráter mais subjetivo a aberto para as interpretações.
Fazer fotografia, falar sobre fotografia, carregar imagens mundo a fora, é quase uma missão que tem me motivado. Vera Resende não pode vir para abertura, mas tenho certeza que ela está feliz, acompanhando tudo em tempo real, pelas redes socias e seu ‘amigo’, o fotógrafo Russo estará presente e promete trazer muitos outros fotógrafos Russos para ver as imagens dos brasileiros.
E eu sigo por aqui, movido por esta grande paixão, que é explorar o mundo com uma câmera pendurada no pescoço uma uma série de imagens embaixo do braço, por que não tem graça nenhuma fazer isso sozinho.