segunda-feira, 5 de maio de 2008

Na beira do Rio Ganges... Poxa bicho, vamos parando por ai!!



Fiquei apenas dois dias na cidade, mas cada minuto foi sentido com muita intensidade. Primeiro porque fazia muito calor, cheguei a pegar 46°, e era impossível passar despercebido, caso a cidade não tivesse nada a oferecer - só o calor já seria um evento. Não foi o caso, Varanasi tem tantas coisas que você sai de lá pensando que aquilo tudo foi ficção, não aconteceu de verdade com você...

A cidade existe há mais de 2.000 anos, em algumas partes dela você terá certeza que isso é verdade. Como no labirinto de ruelas sem asfalto, cheios de vacas, carneiros disputando o pequeno espaço com os moradores e, muitas vezes, com um grupo de homens descendo correndo em direção ao rio Ganges, carregando o corpo de algum ente querido que será cremado, num ritual bastante comum na cidade.

É o desejo de muitos hinduísta ir pelo menos uma vez naquele lugar sagrado. Eles não vão só para se despedir de seus mortos. Segundo a religião poder se banhar nas águas sagradas do rio é a possibilidade de se livrar de seus pecados.

Para você entender a cidade imagine um portão (Ghat), com uma escadaria enorme até o rio. São mais de 25 desses Ghat, um ao lado do outro. Ali você encontrará pessoas tomando banho, escovando os dentes, lavando roupas e dando banho em búfalos, além dos rituais religiosos.

Em dois deles, é reservado para cremação ao ar livre de corpos. Eu tinha visto no guia Loneny Planet, quais eram. Deixei minhas coisas no Hotel, tomei um banho, um bom café da manhã e tentei sair na rua. Isso já era quase meio-dia. Quem disse que eu consegui?

Por ser uma cidade muito turística Varanasi é um lugar onde sempre vai ter alguém querendo te passar a perna. Apesar de ter sido avisado pelo guia de viagem e pelas pessoas que encontrei, eu cai em vários contos. Um deles foi o do Hotel.

Com pouco tempo na cidade, escolhi no guia um lugar para ficar perto das principais atrações. Cheguei na estação de trem e uma multidão de motoristas de tuk tuk me abordaram. Pedi para o mais confiável deles, que ele me levasse na Shanti Guest House, até mostrei no mapa. Mas quem falou que foi lá que passei esses dois dias? Para poder receber a propina que o hotel paga por cada hóspede que eles levam, acabei parando no Sandi Guest House, duas letras que fizeram toda a diferença. Um ficava perto, muito perto de tudo e o outro... bom, dá para imaginar onde, né?

Só percebi isso quando, em baixo de um sol de 46°, tentei chegar no rio. O Ganges até que estava perto, mas os lugares que eu queria visitar... longe, mais de uma hora de caminhada. Voltei pro hotel, comprei uma água e fui tentar descansar um pouco. Quando cheguei no quarto, no terceiro andar do prédio, sem elevador, a garrafa de água mineral de 1 litro já estava com uma temperatura própria para se fazer chá. Como este não tinha sido o propósito, tomei aquela água quente, dentro daquele quarto abafado. Dormi umas duas horas e acordei suando. Sai de novo e comecei a conhecer todos os Ghat.

Eu estava tranqüilo, o calor já não me incomodava tanto, tinha feito algumas fotos, rezado um pouco. A raiva de ter sido enganado já estava passando, quando, sem perceber direito o que estava acontecendo me vi a menos de 50 metros do local onde 7 corpos humanos queimavam. Eu estava tão distraído que mais alguns passos eu entrava no lugar que é estritamente reservado para a família.

Quando me dei conta do que estava acontecendo tive uma reação que nem eu mesmo esperava. Sou um cara que já viu bastante coisas na vida, mas não estava preparado para aquilo. Eles colocam o corpo envolto apenas num tecido alaranjado, em cima de algumas madeiras secas e cobrem com mais madeiras.

Existem alguns grupos de mortes que não permitem a cremação: de crianças até 11 anos, mulheres grávidas, leprosos e pessoas picadas por serpentes, que para eles é um animal sagrado. Esses mortos, no entanto, o ritual é amarrar uma pedra no pé, colocar o corpo num barco, ir até o meio do rio e atirá-lo na água.

Ouvi essa, entre outras explicações de um senhor que me levou para uma espécie de balcão, no nível superior de onde estavam as famílias dos mortos e me falou, enquanto víamos 7 corpos serem incinerados, bem ali a poucos metros de distância.

Vocês devem estar se perguntando sobre o cheiro. Foi a primeira coisa que indaguei, pois eu não estava sentindo nada, além do vento quente e do cheiro de madeira queimando. A resposta que ouvi foi de que Shiva (O Deus deles) não permitia o cheiro forte de corpos queimados perto do rio Ganges. Disse também que em qualquer outro lugar que fizessem isso o cheiro seria insuportável.

Só homens participam do ritual. Uma mulher, carregada por duas outras – todas usando roupas coloridas, entrou no lugar, foi levada até o rio, parou perto da fogueira onde o corpo de seu esposo terminava de queimar e saiu novamente.
Ninguém chorava. Com orgulho o homem que me explicava e que depois quis me levar $200 (teve que se contentar com 200 rúpias), perguntava como era o enterro na minha religião, se tinha aquela paz que víamos ali. Todos sabemos a resposta...

Sai dali quando recebi uma nuvem de cinzas na minha cara. Depois que os corpos queimam, eles juntam as cinzas num monte e dois homens vão com uma espécie de peneira resgatar as jóias, que nunca são retiradas dos corpos. Naquele monte de cinzas comunitária o que é encontrado vai para uma entidade em Varanasi que ajuda a pagar as despesas com cremação de pessoas sem condições para isso.

Quando começaram a mexer nas cinzas e recebi uma boa quantidade, senti que já tinha sido o bastante.
É extremamente proibido fotografar o ritual. Portanto ele me autorizou a fazer essas duas imagens, que compartilho com vocês. Sai dali, depois de ter que negociar a ajuda que meu coração bom daria por ter assistido uma cerimônia sagrada.

Ainda vi outros rituais desses, na noite do mesmo dia e na madrugada do outro. Na tarde em que estava indo para a estação pegar o trem para Delhi, vi um grupo de homens, bem perto de mim amarrando uma pedra no corpo de um garoto de não mais de 8 anos... Acho que não precisava encontrar mais nada.

Não vi tristeza na cidade. No restante do tempo que passei por ali, vi famílias inteiras se banhando naquele rio que eu nem tive coragem de colocar a mão, vi pessoas meditando, entrando em contato de uma maneira ou outra com o sagrado.
Do meu jeito, também tive boas experiências. Como na madrugada do outro dia, quando acordei para ver o sol nascer dentro de um pequeno barco, navegando por aquele rio, assistindo a cidade que há tantos séculos recebe a energia de pessoas que vão lá para se conectar com o divino, o que não está disponível assim, tão fácil, no dia a dia.

Depois que sai do barco, fui num lugar alto onde vi algumas pessoas meditando, tentei fazer o mesmo. Peguei o i-pod e com a vista daquela cidade incrível, pensei em muitas coisas boas da minha vida. Um garoto de uns 6 anos se aproximou. Coloquei um dos fones no ouvido dele e vi um rosto pequeno se transformar de emoção. Ele olhava para o horizonte como se pudesse enxergar a própria música que ouvia. Quando começou a tocar um ritmo eletrônico, ele deu um sorriso enorme e começou a mexer a cabeça para frente e para trás, como a gente fazia nas pistas de danças no final dos anos 80. Fiquei muito emocionado nessa hora. Poucas vezes chorei na viagem, mas me vi prestes a me descontrolar enquanto o garoto, que nem o nome eu sei, se perdia, concentrado na música que o fascinava...

7 comentários:

Anônimo disse...

Rê....acompanhei mt o blog, ma estava na loucura da viagem e fiquei tentando postar mensagens com o google, e apanhei mt. Mas resumindo, suas imagens só comprovam o que muita gente já sabia: tu fotografa com o coração. Te amo. Beijos da sua amiga. Não rolou nos encontrarmos em Paris, estava com trabalho marcado para o dia 06.05 (amanhâ). Quando vc volta?

Milla Jung disse...

Nossa, a foto é linda como eu nunca vi, e o texto mais ainda.
Saudades de montão,
Milla

Anônimo disse...

OI RENATO! GOSTEI MUITO DE LER SOBRE A SUA EXPERIÊNCIA NA ÍNDIA, DÁ PRA NOTAR QUE VOCÊ É UMA PESSOA MUITO SENSÍVEL, FIQUEI COM OS OLHOS CHEIOS DE LÁGRIMAS EM LER A PARTE QUE O GAROTO FICOU ESCUTANDO MÚSICA COM VOCÊ!AS FOTOS TAMBÉM SÃO MUITO BOAS.

Silvia Loch disse...

Oi Renato.Sou professora de História e Geografia, li sua reportagem com muita atenção e lhe dou parabéns pois consegui viajar em frente ao computador.Obrigado pelas informaçoes, irei usá-las em minhas aulas.Muito rica mesmo.s

laercio disse...

cara gostei da sua hitoria enquanto muitos blogs que existe por ai so fala bobagem voce nos mostra a vida como ela pelo mundo parabens

Unknown disse...

Nossa deu prá viajar sem tirar os pés daqui...
Fiquei curiosa para ler algum documentário sobre o Ganges,depois de ter recebido um e-mail, com um monte de fotográfia sobre o tal(só de lembrar perco o apetite) horrível aquele tanto de cadaver boiando no Rio, e as pessoas tomando banho no msm! Só q lendo sua máteria num tenho + a msm visão!Sua reportagem foi de grande importância para eu reorganizar meu ponto de vista! Parabéns , quando tiver alguns temas legais assim envia p/ meu e-mail?? Se puder agradeço! xintinha.day@hotmail.com

Rita M. disse...

simplesmente AMEI o seu blog . eu sou completamente apaixonada pela cultura da Índia, e fiquei muito emocionada com o seu texto !