terça-feira, 30 de novembro de 2010
A razão de Shakespeare
"A vida não passa de uma história cheia de som e fúria contada por um louco significando nada"
william shakespeare
quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010
Crônica de uma cidade mal-educada
O mês de janeiro choveu muito em São Paulo, acompanhei pela internete os casos de alagamentos, as tragédias anunciadas de uma cidade que a cada ano recebe mais habitantes e os problemas aumentam.
Voltei na semana passada e só hoje peguei ônibus. Não tenho carro, sou uma das poucas pessoas que se recusa a botar mais um carro nessa cidade onde a quantidade de veículos é justamente um de seus maiores problemas.
Num almoço de fim de ano de uma das empresas que presto serviço, uma das colegas de trabalho, ao falar de meu atraso e fazendo uma associação a minha viagem para Europa disse: “Tá vendo não tem carro pois gasta todo dinheiro indo para Paris”.
Não tenho automóvel por opção, talvez seja difícil entender isso, num lugar onde para maioria ter carros é um estátuo social.
Hoje em dia é possível fazer financiamentos de até 80 meses, o que facilita a compra e a cidade vai ficando cada vez mais cheia de automóveis que, além de poluir, ocupam um lugar enorme nas ruas com geralmente uma pessoa dentro.
Depois dessas semanas em Paris e Londres, onde o transporte coletivo é usado pela grande maioria das pessoas, peguei um ônibus que estava indo pra Avenida Paulista.
Logo que sentei recebi a ligação de um amigo que está numa praia de Santa Catarina. Ele começou a descrever o lugar que estava e eu, meio que na ironia, relatava a minha paisagem urbana.
Três filas na minha frente tinha uma moça loura sentada num desses bancos individuais. Eu tinha reparado nela no ponto, estava bem vestida, usava uma roupa de marca, um tênis bacana e pelo cheiro de sabonete, tinha acabado de tomar banho.
Enquanto o Marcelo contava que estava numa barraca tomando água de coco e olhando para um mar lindo, essa moça abriu uma barra de cereais que devorou em menos de três mordidas, levantou seu corpo malhado, esticou o braço e jogou a embalagem pela janela, desprezando que há menos de 20 metros dela tinha um lixo.
Quando percebi estava relatando a triste realidade que eu via, em um tom bastante irritado para meu amigo que deve ter dado graças por estar bem longe.
É difícil demais voltar a São Paulo e ver que nada muda. Mesmo depois de um mês de vários alagamentos e mortes por causa das chuvas e do lixo que, embora muita gente acredita, não vira pó quando você o joga pela janela.
Esta cena se repetiu várias outras vezes pelo dia afora. Peguei mais uns 5 ônibus, e vi pessoas jogando coisas pelas janelas em três deles e, enquanto eu esperava num ponto de ônibus na Paulista vi a janela de um carrão, vermelho, parecendo ter saído da concessionária há algumas hora, abaixar o vidro e jogar, sem a mínima cerimônia, uma lata vazia de refrigerante.
Será tão difícil assim perceber que o lixo jogado no asfalto vai entrar no bueiro e blá blá blá, dá para entender o que vai acontecer, não? Ainda mais numa época de chuvas fora do comum como agora.
Em Londres as pessoas pagam uma taxa alta se quiserem circular de carro pelo centro da cidade. Em São Paulo o preço pra se usar veículos em qualquer parte é bem mais alto, um trânsito caótico que acaba com a paciência de qualquer um.
Durante muito tempo tomei cuidado com as comparações entre Brasil e Europa, pois não queria parecer esnobe, mas desta vez perdi totalmente o pudor, nós brasileiros temos muito o que melhorar e olhar pra onde as coisas funcionam é um bom começo.
Ontem no Estadão o Arnaldo Jabor, em seu artigo semanal disse, falando da corrupção, que ainda existe uma luz no fim desse túnel imundo.
É justamente por acreditar nisso que eu gostaria de poder contar para todo mundo as coisas que dão certo lá fora e que, já que estamos crescendo, temos que começar a tomar consciência e pensar mais em cidadania, em respeito...
Espero não estar sozinho nisso.
Algumas das fotos desse post são de detalhes das obras de arte do pernambucano Abelardo da Hora, que está no vão livre do MASP, na Avenida Paulista.
Nome da mostra – “Amor e Solidariedade”
sexta-feira, 29 de janeiro de 2010
Uma Londres de Cartão Postal.
Viajar pra mim é sinônimo de fotografar. Acho que gosto tanto disso que estou sempre tentando fazer aqueles momentos ficarem eternos, ou talvez, numa tentativa vã de que aquela sensação boa dure mais tempo.
Em Londres acontece uma coisa curiosa comigo, toda vez que estou aqui sinto uma vontade de fazer fotos diferentes das que me seduz. Gosto de procurar a beleza da cidade ou seja por mais que eu desvio, acabo sempre buscando os cartões postais.
Você pode estar se perguntando, mas tá certo, fotografar não é buscar o belo? Não, fotografar nem sempre é registrar o belo, e nem sempre também revelar a miséria, ou enaltece-la.
Sempre digo que nós fotógrafos temos uma responsabilidade muito grande sobre o que registramos. Não é por nada que o ato de fotografar em inglês é to shoot, ou seja, atirar. Fotografar, principalmente pessoas, pode ser um ato de agressão.
Apontar uma câmera pra alguém pode inibir bastante, pois quem está na mira não sabe das intenções do fotógrafo e o que ele poderá fazer com a imagem.
Quanto estive na África, em 2007, tinha como uma das pautas fotografar o centro de Luanda. Uma mulher que carregava uma criança saiu correndo atrás de mim, gritando dizendo que era pra eu não apontar aquilo pra ela, pois depois eu iria usar a sua imagem pra ganhar dinheiro na América.
Eu não estava querendo explorar a miséria dela, jamais fiz isso. Procuro fazer o meu trabalho respeitando muito o outro, mas ela estava certa em ficar tão ofendida, existe muitos colegas de profissão que vivem disso.
Não quero fazer disso um desabafo do que não concordo na fotografia, mas dizer sim que nem sempre procuro a beleza, mas em Londres eu sou atraído por ela.
Nem acho a cidade tão bonita assim. Acho muito diferente, sempre achei, mas depois de alguns dias a diferença já caiu na normalidade e acaba perdendo a graça. Ir embora de Londres é sempre um alívio, assim como chegar é sempre uma alegria.
Mas aqui, na velha Inglesa formal, mas que aceita com bom humor os mais modernos, aqui na cidade que por mais que o tempo passe e mude, ninguém consegue entender o seu fascínio, aqui eu sempre acabo fazendo uma dessas fotos que você vê em toda matéria de turismo.
Desta vez também fiz as fotos, mas quando me dei por conta eu estava colocando-as numa pasta separada.
Este post vem para compartilhar com vocês essa minha "fraqueza". Aproveitei os dois dias que o sol deu um alô tímido nesse terrível inverno de começo de década e fiz essas imagens.
Como diz o poeta "quem se cansar de Londres estará cansado do própria vida."
Entrada da Royal Academy of Arts
London Eye
Pup Sherlock Holmes
Cemitério Brompton, onde foram gravadas as cenas do filme "Sherlock Holmes", do Guy Ritchie
Vista do Tâmisa na parte mais alta da London Eye
Portão que dá acesso a Royal Academy of Arts
Trafalgar Sguare a noite
Entrada da Rua The Mall, que leva ao Palácio de Buckingham
Termino com este post a viagem. Nos veremos em breve, assim espero.
segunda-feira, 25 de janeiro de 2010
Enquanto isso em Londres...
Se tem uma semana que não vou esquecer jamais em minha vida, com certeza vai ser essa, passei por sentimentos tão fortes e tão distintos que confesso, estou exausto.
Um dos motivos de minha viagem aqui, foi o nascimento de meu sobrinho, o Cauã, o primeiro sobrinho e primeiro neto de meus pais e da família do Rogério, meu cunhado. A expectativa estava grande.
Ele nasceu dia 20, com quase 4 quilos e um bebê lindo. Estávamos no hospital. A espera é uma coisa absurda, não dá para se concentrar em nada. A princípio comecei a imitar aquelas pessoas que ficam andando de um lado para o outro, mas depois, conforme o tempo passava e nada de notícias, fingi que continuava na brincadeira e lá estava eu inquieto.
Sai então com minha câmera e resolvi preparar uma presente que ele só vai receber quando estiver grande, fui fotografar a área em volta do hospital, quero mostrar pra ele, através dessa arte de registrar momentos, como estava uma parte do mundo enquanto ele chegava por aqui.
Depois de quase 2 horas de angustia e nada de notícias, resolvi ligar no celular do meu cunhando, foi um gesto sem nenhuma esperança que ele atendesse, só liguei para fazer alguma coisa, mas tamanha foi nossa surpresa quando começou a tocar e na terceira chamada ele atendeu. Ouvi um alô baixo, emocionado, a voz brigando pra sair, mas de repente, um som mais potente tomou conta da ligação, era o Cauã, recém chegado ao mundo chorando...
De tudo o que já vive nesta vida, a emoção em ouvir a voz daquele que chegava para renovar a vida na nossa familia foi a coisa mais gostosa, o que me colocou diante de um sentimento diferente, especial, um amor louco por alguém que eu nem conhecia.
Minha mãe estava do meu lado e começou a chorar como há anos eu não via, um choro que mais parecia um grito de agradecimento, estávamos todos unidos numa corrente de amor para receber alguém tão esperado.
No outro dia, fui acordado de madrugada por minha mãe, dizendo que o bebê tinha tido um problema e ela estava indo pro hospital.
Esta parte da história doeu tanto que eu seria incapaz de tentar traduzir aqui. Prefiro dizer que foi apenas um grande susto, sem dúvidas o maior que eu já tive, mas prefiro encarar isso como uma coisa de um passado distante, pois o bebê está bem, em casa, fazendo a alegria de todos.
Sinto com o nascimento deste menino uma emoção parecida com a de quando estou viajando: uma longa estrada a seguir, com muitas coisas novas e principalmente emoções fortes para viver. O melhor é que está apenas começando...
sábado, 23 de janeiro de 2010
Últimas reflexões sobre Paris
Paris tem um certo ar de império decadente, uma sensação que tive repetidas vezes nesta viagem... Mais ou menos o que acontece em Istambul na Turquia, os resquícios de um passado glorioso que não encontra lugar na realidade.
Mas tem muita coisa em Paris para nos lembrar de como a cidade é importante na história da humanidade, e isso justamente acaba sendo uma de suas atrações. Acho que com esse espírito fica mais fácil entender os franceses e também a cidade.
Uma primeira experiência no metro, por exemplo, com certeza não passará em branco para o visitante recém chegado. Encontramos estações imundas, os trem ainda mantém a mesma distribuição dos acentos de quando foram construídos, há mais de um século, quando o número de pessoas que usavam este tipo de transporte era bem menor que os de agora.
Fazer uma viagem do sul ao norte da cidade, na hora do hush é uma experiência que acaba com sua boa vontade de viajante.
Os parisienses são sim mal humorados, mas tem um charme nisso que acho encantador. Basta você, mesmo que com um sotaque carregado, pronunciar algumas palavras em francês e pronto, pra onde foi parar toda aquela arrogância? É como se eles, inconscientemente talvez, quisessem manter viva a importância que a língua de Balzac teve no mundo.
Qual escritor francês atual você conhece? Pois é, esta deveria ter sido uma das perguntas para a estudante de literatura que nunca ouviu falar de nenhum escritor brasileiro. Com certeza ela poderia me dar uma lista, o que confesso, preciso muito.
Sentado num banco espaçoso do trem Eurostar, depois de ir até o vagão bar e tomar um café delicioso e há menos de 1 hora de chegar em Londres fico aqui pensando em tudo que passei nestes dias.
Vi lugares moderníssimos, como o museu Quai Branly e a cidade de Arquitetura, mas percebi nas ruas uma realidade muito paracida com os grandes problemas da maioria das cidades do mundo. Na própria maneira do francês se comportar diante da multidão de turistas que invade sua cidade procurando um passado que já não existe, rastros de uma história que não toma mais parte na atualidade e tendo que lidar com os grandes problemas dos imigrantes, muitos vindos de suas ex-colônias, como que pagando dívida de seus antepassados.
Quando estava em Paris, morreu um cineasta que eu gosto muito, o Eric Rohmer. Seu filme “O Raio Verte” é uma das obras cinematográficas que mais me marcou. Ele é uma síntese de tudo isso. Até o último filme, "Les amours d'Astrée et de Céladon", de 2007, ele manteve o mesmo traço. Um dos fundadores Nouvelle Vague partiu quase 30 anos depois de seu amigo Françoise Truffault, mas representou bem a maneira como pretendiam se comunicar com seu público, de uma maneira bem simples, com força no diálogo e na representação dos atores.
Andando pelos grandes bulevares fiz muito o que me encanta fazer numa viagem, ficar andando a esmo, e, como fotógrafo, observando a cidade.
Foi em Paris que surgiu a figura do flâneur, o poeta das ruas, um andarilho que observa a cidade e a reproduz. Hoje um termo muito usado pelos fotógrafos que gostam de fotografar as cidades. Cristiano Mascaro por exemplo sempre que fala de seu trabalho comenta que o faz pensando na figura do flâuneur.
Da Paris medieval, antes que o Barão Haussmann (1809 – 1891) destruisse tudo para transformar na cidade moderna e bem organizada que é hoje, só nos resta o trabalho do pintor e gravurista Charles Meryon, que viveu em Paris entre 1821 e 1868.
O poeta Baudelaire foi quem descobriu esse artista. Meryon registrou a cidade que estava deixando de existir durante a revolução industrial que mudou, não só Paris, mas o mundo em geral.
Não foi desta vez que tentei saber mais sobre esse artista que construiu sua obra observando uma cidade em transformação. Mas Paris é assim e enquanto o trem se aproxima do canal da Mancha, é bom que eu fique concentrado nestas ideias de uma nova visita a cidade, o que me ajudará a passar os 20 minutos caustrofóbico, embaixo de um braço do Oceano Atlântico que me levará a Inglaterra, onde uma nova viagem começa.
As fotos que ilustram este post são de estátuas da Monarquia antes da Revolução Francesa, que ficam no Jardim de Luxemburgo e de jovens de diferentes nacionalidades que visitam Paris e deixam seus recados entusiamados, num mural no piso superior da Shakespeare & Company.
Mas tem muita coisa em Paris para nos lembrar de como a cidade é importante na história da humanidade, e isso justamente acaba sendo uma de suas atrações. Acho que com esse espírito fica mais fácil entender os franceses e também a cidade.
Uma primeira experiência no metro, por exemplo, com certeza não passará em branco para o visitante recém chegado. Encontramos estações imundas, os trem ainda mantém a mesma distribuição dos acentos de quando foram construídos, há mais de um século, quando o número de pessoas que usavam este tipo de transporte era bem menor que os de agora.
Fazer uma viagem do sul ao norte da cidade, na hora do hush é uma experiência que acaba com sua boa vontade de viajante.
Os parisienses são sim mal humorados, mas tem um charme nisso que acho encantador. Basta você, mesmo que com um sotaque carregado, pronunciar algumas palavras em francês e pronto, pra onde foi parar toda aquela arrogância? É como se eles, inconscientemente talvez, quisessem manter viva a importância que a língua de Balzac teve no mundo.
Qual escritor francês atual você conhece? Pois é, esta deveria ter sido uma das perguntas para a estudante de literatura que nunca ouviu falar de nenhum escritor brasileiro. Com certeza ela poderia me dar uma lista, o que confesso, preciso muito.
Sentado num banco espaçoso do trem Eurostar, depois de ir até o vagão bar e tomar um café delicioso e há menos de 1 hora de chegar em Londres fico aqui pensando em tudo que passei nestes dias.
Vi lugares moderníssimos, como o museu Quai Branly e a cidade de Arquitetura, mas percebi nas ruas uma realidade muito paracida com os grandes problemas da maioria das cidades do mundo. Na própria maneira do francês se comportar diante da multidão de turistas que invade sua cidade procurando um passado que já não existe, rastros de uma história que não toma mais parte na atualidade e tendo que lidar com os grandes problemas dos imigrantes, muitos vindos de suas ex-colônias, como que pagando dívida de seus antepassados.
Quando estava em Paris, morreu um cineasta que eu gosto muito, o Eric Rohmer. Seu filme “O Raio Verte” é uma das obras cinematográficas que mais me marcou. Ele é uma síntese de tudo isso. Até o último filme, "Les amours d'Astrée et de Céladon", de 2007, ele manteve o mesmo traço. Um dos fundadores Nouvelle Vague partiu quase 30 anos depois de seu amigo Françoise Truffault, mas representou bem a maneira como pretendiam se comunicar com seu público, de uma maneira bem simples, com força no diálogo e na representação dos atores.
Andando pelos grandes bulevares fiz muito o que me encanta fazer numa viagem, ficar andando a esmo, e, como fotógrafo, observando a cidade.
Foi em Paris que surgiu a figura do flâneur, o poeta das ruas, um andarilho que observa a cidade e a reproduz. Hoje um termo muito usado pelos fotógrafos que gostam de fotografar as cidades. Cristiano Mascaro por exemplo sempre que fala de seu trabalho comenta que o faz pensando na figura do flâuneur.
Da Paris medieval, antes que o Barão Haussmann (1809 – 1891) destruisse tudo para transformar na cidade moderna e bem organizada que é hoje, só nos resta o trabalho do pintor e gravurista Charles Meryon, que viveu em Paris entre 1821 e 1868.
O poeta Baudelaire foi quem descobriu esse artista. Meryon registrou a cidade que estava deixando de existir durante a revolução industrial que mudou, não só Paris, mas o mundo em geral.
Não foi desta vez que tentei saber mais sobre esse artista que construiu sua obra observando uma cidade em transformação. Mas Paris é assim e enquanto o trem se aproxima do canal da Mancha, é bom que eu fique concentrado nestas ideias de uma nova visita a cidade, o que me ajudará a passar os 20 minutos caustrofóbico, embaixo de um braço do Oceano Atlântico que me levará a Inglaterra, onde uma nova viagem começa.
As fotos que ilustram este post são de estátuas da Monarquia antes da Revolução Francesa, que ficam no Jardim de Luxemburgo e de jovens de diferentes nacionalidades que visitam Paris e deixam seus recados entusiamados, num mural no piso superior da Shakespeare & Company.
terça-feira, 19 de janeiro de 2010
Museu da Arquitetura
Você pode até não gostar muito de museus, mas em uma viagem a Paris vai acabar visitando um, nem que for o mais famoso deles, o Louvre e seus célebres hospedes: Monalisa, Vênus de Milo; ou o museu d'Orsay, o mais charmoso, que fica numa antiga estação de trem a beira do Rio Sena.
Ir a Paris e não entrar num museu é quase como ir a uma copa do mundo sem se interessar em nada por futebol. Como já disse aqui não gosto muito de ficar dando dicas de viagem, prefiro contar o que me agradou e deixar que você faça sua programação.
Desta vez me concentrei mais em conhecer os museus que abriram depois de minha última estada na cidade e alguns que eu não conhecia.
Passei uma tarde no museu da arquitetura, que fica bem ao lado da praça do Trocadero, de onde se tem um visão extraordinária da Torre Eiffel.
Quem gosta de novelas vai se lembrar da visita que as personagens da Alinne Moraes e Taís Araújo fizeram quando estavam em Paris gravando "Viver a vida". A cena nos brinda com um desses diálogos fantástico que só a dramaturgia brasileira é capaz.
Numa tomada geral da principal sala do museu, as paredes vermelhas e as personagens andando entre fachadas de igrejas medievais, Alinne Morais chega pra Taís Araújo e diz mais ou menos assim:
- Ai, vamos embora logo, tanta coisa bonita lá fora e nós aqui perdendo tempo no meio dessa velharia...
Passei uma das tardes mais agradáveis no meio de tanta história, coisa bonita e ideias de uma vida sustentável, através dos projetos arquitetônicos modernos.
Logo num dos primeiros minutos da visita fiz um dos meus passa tempo preferidos quando vejo um grupo de turistas com guia, me enfiar no meio deles e prestar atenção nas explicações.
Dessa vez foi uma das mais engraçadas. A Guia, uma francesa de uns 60 anos, comandava um grupo onde a maioria eram jovens, provavelmente estudantes de arquitetura. Quando os vi, percebi que alguma coisa diferente estava acontecendo, pois estavam dispersos e divididos em pequenos grupos, fazendo comentários paralelos. Logo percebi o porquê. A mulher começou a explicar que aquela fachada era de uma catedral do século XV e que é uma demonstração da Renascença Italiana na França. Até ai tudo bem, mas depois desta informação ela ficou perdida, gaguejando e, numa verdadeira saia justa, chamou o grupo, que se controlava para não rir, para a outra obra.
Troquei uns olhares de cumpricidade com o pessoal e fui na outra direção. Sei bem o que é falar em público e, numa situação dessas o embaraço é grande.
O museu reabriu em 2007, depois de ficar muitos anos fechados.
Eles disponibilizam computadores para ajudar o visitante entender o acervo. O pé direito do piso térreo é enorme. O efeito de ver aquelas partes de igrejas, uma ao lado da outra, dentro de uma sala de museu é de causar uma sensação única e uma boa chance para pensar sobre o espaço das galerias, de onde vivem as obras de arte.
Foi difícil sair dali, fiquei andando pela sala, saia, ia para uma mais simples e acabava voltando pro salão vermelho, imenso... Vi uma foto de como eles trouxeram uma das fachadas. Um barco puxava no Rio Sena uma igreja flutuando nas águas... Queria ter visto isso ao vivo.
Com muito custo, peguei um elevador panorâmico e fui para o segundo andar, o reservado para arquitetura moderna.
A sala é bem mais simples, branca, pé direito mais baixo. As reflexões sobre as obras ali expostas porém são bem mais interessantes. Logo de início assisti um vídeo que explica como foram feitas as janelas do Instituto do Mundo Árabe, o meu museu preferido no mundo. Um dispositivo de metal controla a intencidade da luz que entra nas salas, em dias de maior luminosidade as janelas fecham e com menos luz, abrem, exatamente como funciona o diafragma de uma câmera fotográfica.
O museu é um projeto de Jean Nouvel, o mesmo arquiteto do Museu do Quai Branly, já comentado aqui.
Num canto da grande sala, tem um retângulo bastante iluminado com vários projetos de arquitetura sustentável. O que mais gostei foi um condomínio residencial em Nates, interior da França, projeto do arquiteto Michel Bertreux. São 11 prédios germinados de 6 andares cada um, na frente uma horta comunitária e atrás um belo bosque que remete ao contato com a natureza, mostrando que isso é possível nos grandes centros. Além é claro de reaproveitamento de água, energia solar, etc.
Antes de sair, sentei num banco que fica de frente para uma janela com vista para Torre. Estava começando a me despedir da cidade diante de uma cena que vive na minha imaginação desde muito antes de pisar aqui pela primeira vez.
segunda-feira, 18 de janeiro de 2010
Shakespeare & Company, o lugar do escritor.
Teoricamente é uma livraria especializada em livros escritos em inglês, mas Shakespeare & Company é bem mais do que isso, é um desses endereços especiais que faz sua viagem a Paris ficar ainda mais interessante.
Instalada bem ao lado da Ilha onde está a Catedral de Notre Dame, uma visita a livraria parece mais uma viagem ao tempo. Deve ser por essa mistura de realidade com a fantasia que uma boa leitura nos trás, ou pelo ambiente nostálgico, que nos remete ao século XIX ou quem sabe, abusando um pouco da imaginação, você tem a sensação de encontrar o próprio Shakespeare num dos vários corredores da loja. Para quem tem uma boa relação com a leitura, visitar essa charmosa livraria é uma experiência inesquecível.
O escritor inglês, além de ser um grande inspirador para os amantes das letras, não deu mais que o nome para a livraria, mas outros que compartilham com Shakespeare o mesmo metier tem bem mais a ver com este lugar.
Hemingway, por exemplo, era um frequentador durante o tempo que morou na capital francesa e citou a livraria várias vezes em seu romance "Paris é uma Festa", sobre sua vida na cidade durante o período entre as duas grandes guerras.
A verdade é que o endereço visitado por tantos personagens que fizeram história na literatura e nas artes como: Ezra Pound, F. Scott Fitzgerald, Man Ray e James Joyce, já não existe mais, foi destruído pelos Nazistas durante a ocupação, na segunda guerra mundial. Esta loja atual foi uma homenagem que a cidade recebeu. A original foi aberta em 1919, por Sylvia Beach a editora que publicou "Ulysses" em 1922 a grande obra de James Joyce, que tinha sido proibido nos EUA e na Inglaterra.
Hoje é também um local que acolhe estudantes de literatura, vindo de países que falam inglês. Eles moram no local e, como forma de pagamento, trabalham algumas horas na loja, uma verdadeira escola para escritores.
No filme "Antes do pôr-do-sol" é ali que Jesse, que está em Paris para lançar seu livro, dá autógrafos.
A sensação que tive quando entrei na loja foi mesmo de estar fazendo parte de um mundo que não anda muito disponível por ai, era como se, depois de fechar a porta de madeira que me separava da calçada eu tivesse entrado num mundo paralelo e nem as as roupas dos pessoas que circulavam por ali me trazia de volta pro século XXI.
Fiquei um tempão vendo um livro do fotógrafo Brassai, sobre Paris. Depois subi as escadas e fui até o andar de cima, uma espécie de biblioteca. Na escada uma placa te convida a subir, entrar no clima e ler o tempo que quiser os livros ali disponíveis. Se não bastasse, caso vc tenha uma dom especial para música, o piano propriamente dito, você pode fazer uso de um que fica a disposição.
Tive sorte, durante todo tempo que fiquei andando, fotografando, lendo, uma jovem de não mais que 20 anos, tocou completando ainda mais meu delírio.
Quando sai de volta ao mundo real encontrei uma Paris toda branca, tinha nevado durante todo o tempo que eu estava na Shakespeare & Company, o cenário continuava a contribuir com minha imaginação de sonhador...
terça-feira, 12 de janeiro de 2010
Um pouco além do Café de Flore
Sartre amava Paris e a cidade, principalmente a região de St Germain des Prés, foi cenário de muitas de suas histórias. A vida deste escritor que nasceu em 1905 e morreu em 1980, se confunde muito com a própria história do século XX.
Estou lendo a biografia dele e a parte que mais tem me fascinado foi o período em que Paris estava sobre a ocupação nazista e hoje resolvi visitar alguns dos lugares por onde Sartre passou que se relaciona com este período.
A primeira vez que ouvi falar deste escritor foi através de um grande amigo, o Cristiano Morais, que conheci quando estudava direito em Curitiba, lá pelos anos 1991, 1992. O Cris já era um grande conhecedor do escritor e do existencialismo e me explicou, meio sem paciência, um pouco sobre este movimento. Na época eu estava lendo um livro sobre São Francisco de Assis e ele me falou desse movimento ateísta, que foi o existencialismo.
Para um jovem que tinha sido educado numa família católica, no interior do Paraná, não foi uma coisa muito fácil de aceitar e, na época não fiquei muito animado em saber mais. A história deste escritor, no entanto, ficou amadurecendo em minha mente.
O Cris, que é uma das pessoas mais interessantes que conheci, me falou também de Camus e fui correndo ler o "O Estrangeiro" e depois "A Peste". Alguma revolução já começava tomar forma na minha cabeça e hoje foi uma boa data para lembrar disso tudo.
Percorrendo os cafés, hotéis e endereços onde os escritores se reuniam para, durante a guerra, pensar numa maneira de resistir a ocupação, foi como fazer uma retrospectiva do que tem me emocionado na vida.
O primeiro local que visitei foi o Hotel Mistral, onde Sartre e Simone de Beauvoir moraram durante o período mais difícil de suas vidas. Logo que ele voltou da guerra, conseguiu um emprego de professor em Paris, mas a França na época da ocupação passava por grandes dificuldades. Os Alemães controlavam tudo, tinha o toque de recolher e tudo era racionalizado, até para conseguir cigarro eles tinham dificuldades. Além da baixa remuneração que recebiam.
Nessa época Sartre passava horas no salão superior no café de flore, sem pedir nada além de um café. Ele escrevia muito, como forma de suportar o que estava acontecendo na Europa. Segundo sua biógrafa, Annie Cohen-Solal, foi aí que começou a nascer o pensador que o mundo aprenderia a amar.
No metrô, indo para estação Gaîté, li a parte do livro que falava do Hotel:
"O território de Sartre para o primeiro inverno nazista passado em Paris? Reduzido a um triângulo: Montparnasse, Passy, Saint-Lazarre. Em Montparnasse, é o hotel Mistral, triste e encardido, entre a avenida du Maine e a rua de la Gaîte." (...)
Desci na estação e segui a indicação do livro. Andei a rua toda e nada. Encontrei vários hotéis, mas nenhum deles com esse nome. Aproveitei para treinar meu francês e comecei a perguntar pra todo mundo que eu achava que poderia me dar essa informação e, ouvi várias explicações diferentes, parece que eles tinham vergonha de dizer que não sabia, afinal era um estrangeiro interessado numa história deles e se tem uma coisa que os franceses são, é orgulhosos de seu passado.
Estava frio demais para continuar andando em vão. Parei num café, aproveitei para me esquentar e, com poucos cliques na internete descobri o endereço, o mapa... eu estava a menos de duas quadras do hotel Mistral, já podia sentir o ar de conspiração, as mentes borbulhantes de pensadores oprimidos durante um dos piores período da história recente da França.
Antes de sair, em tempo de terminar meu capuccino, li outra parte do livro:
"Sartre voltou da prisão, você tem que vir pra cá em seguida, no hotel Mistral... Só os íntimos estão presentes: Bost, Olga, Pouillon, Castor (Simone de Beauvoir) e Wanda... Sartre fala durante muito tempo, com voz incrivelmente decidida... Enxotar os alemães da França... testemunhar...convencer... conquistar o maior número possível de adesões à resistência..."
Senti uma emoção gratuita quando abri a porta pesada da antiga moradia de Sartre. Eu não sabia se teria algum sucesso em fazer uma visita. Na parede da frente, bem próximo a entrada tem uma placa dizendo sobre a estada dos dois moradores ilustres.
Acho que eu estava demostrando demais minha emoção, pois o recepcionista, nem exitou e foi me explicando que eles não sabem ao certo qual o quarto que eles moravam, mas tem certeza que fica no quarto andar e, antes de me entregar a chave, foi dizendo que o hotel tinha mudado muito, provavelmente por saber das afirmações do local ser sujo e sombrio.
Subi por uma escada de madeira apertada, onde possivelmente, Sartre e Beauvoir passaram tantas vezes. Eu estava realmente emocionado, não por causa dos escritores, mas sim pela sensação de estar olhando para história, coisa que amo tanto, de uma maneira diferente. Emoção distinta, por exemplo, de visitar uma igreja do século X, ou um castelo. Gosto disso também, mas a sensação de ter pesquisado e estar num lugar que é testemunha de coisas que fizeram diferença na história da humanidade, de que eu não tinha comprado um bilhete e estava fazendo uma visita pronta para me receber e sim ter procurado por aquele local... isso sim me trazia a sensação de fazer algo diferente, e foi o que me emocionou.
Fiquei o tempo que quis, fotografei, sentei no chão, para não desarrumar a cama, passei um tempo olhando pela janela, na direção do cemitério de Montparnasse onde, a menos de duas quadras, estão os túmulos de Sartre e Beauvoir, juntos, destinados a repousar para sempre um ao lado do outro, logo eles que não acreditavam em nada além da existência.
Sai dali feliz. Tentei visitar o cemitério, onde já tinha ido quando morei aqui em 2000, mas por causa da neve estava fechado.
A experiência Sartre porém estava apenas começando. Fui pra o seu bairro em Paris, o St Germain. Tentei conseguir um lugar no café de Flore, onde ele marcava seus encontros com alunos, amantes ou ficava lendo e escrevendo por horas. Muitos de seus manuscritos foram escritos ali.
Enquanto aguardava uma mesa fiquei fotografando. O local hoje é muito chic, frequentado por gente de muito dinheiro, mas tem também os turistas e algum desavisado que fica ali lendo e fazendo anotações em papel, desprezando a tecnologia dos mini computadores... enfim, Paris é uma cidade democrática, onde, como já disse, muita coisa é possível.
Pedi um café crème, um croissant e, depois de ver o da madame que compartilhava uma mesa que de tão perto parecia ser minha acompanhante, não resisti e pedi um chocolate especial Flore. Não sei se foi o preço que paguei, por volta do equivalente a R$ 18,00, ou a atmosfera do café, ou por estar olhando pro local onde o fotógrafo Brassai, fez uma de suas fotos mais conhecidas, ou pela mistura dos perfumes deliciosos, dos casacos forrados com cetim, espalhados pelas cadeiras vermelho e verde, tão característica do lugar, ou se por mais uma vez estar perto da história que venho estudando nos últimos anos e que sempre me fascinou, mas ali, num endereço nobre da cidade de Paris eu me sentia um sujeito feliz.
Outros endereços que visitei relacionados a vida de Sartre e beauvoir em Paris:
Rua Pierre-Nicole, no número 15, antiga residência de Edith Thomas onde um grupo de intelectuais se reuniam escondidos para escrever manifestos contra a ocupação nazista.
Segundo Annie Cohen-Solal era uma "concentração excepcional de homens de letras". (...) "Mas imagine-se a contenção do narcisismo, das invejas individuais, dos conflitos pessoais, do indispensável anonimato, e se terá a medida exata dessas reuniões clandestinas".
Bem próximo dali, no número 45 da Rua d'Ulm, visitei a Escola Normal Superior que Sartre frequentou em 1924. Uma das instituições mais ilustre de seu tempo.
Lá andei pelos corredores, desviando de estudantes que estavam em plena atividades, fiquei um tempo no jardim e conversei com uma estudante de literatura, a Amélie de Chaise Martin, de 23 anos, que está no penúltimo dos quatro anos do curso.
Pedi se ela sabia que Sartre tinha estudado ali, ela riu simpática e disse que é claro que sabia, mas quando perguntei qual escritor brasileiro ela conhecia, a resposta foi, nenhum...
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