domingo, 26 de julho de 2009

Um dia Perfeito



Sexta-feria consegui tempo no final do dia e fui ao cinema. O clima estava terrível, chovia muito e São Paulo, para muitos, agonizava. O bom de uma cidade, de ser cidade, é que depende sempre do ponto de vista de quem esta nela. Pelo menos uma pessoa, este que vos escreve, estava gostando daquele estado de caos das coisas.

Foi assim, com este espírito ‘revolucionário’ que comecei meu fim de semana. O filme, bom o filme foi mais um dos bons filmes franceses em cartaz na cidade "A Garota de Mônaco", nada porém que mudasse alguma coisa no meu estado de espírito, nem para melhorá-lo ou me fazer sentir mais triste.

No caminho para casa, passei no mercado para abastecer os dias trancado na toca. Motivos eu tinha para isso, dois livros destes que ficam em pé na estante para ler e mais um de poesia, para as horas vagas, o banheiro...

Trancado num apartamento no alto de uma colina no bairro da Vila Madalena tive um encontro comigo de alguns anos atrás. Encontro com a pessoa que fui um dia e com a que não fui também. Com a vida que desejei ter vivido enquanto fazia de meu quarto adolescente uma infinita possibilidade de histórias, personagens e vida.

Estou lendo o relato da tragetória de Renato Russo em contraponto com a história da construção de Brasília e o que veio depois: "RR O Filho da Revolução". Tempos estes de falta de liberdade e o que acontecia numa parte importante do Brasil durante a ditadura militar.

O importante é que o livro é bom demais. Acho que o autor, Carlos Marcelo (que nasceu no mesmo ano que eu), fez um favor enorme às aulas de história brasileira. Sem o ranço de muitos dos inúmeros filmes ou livros que falam do período, ele escolheu contar, e conta muito bem, sobre um dos períodos mais complicados do Brasil alterando com a história do grande ídolo pop, Renato Russo. Quando começa a ficar insuportável os absurdos dos velhos do poder, ou dos filhos do poder que com carteiras de identidade especiais podiam tudo, mudamos a página e encontramos um Renato ainda Manfredini na sua epopéica formação. Os primeiros passos do ídolo que seria uma companhia indinspensável para o roteiro de muitas histórias, um poeta que criaria letras que ajudou muita gente da minha geração a entender um pouco melhor a vida, mesmo que anos depois eles não tivessem ideia do que fazer com isso.

Da janela tenho uma vista privilegiada da cidade. Comprei uma cortina preta, com flores brancas que passa a maior parte do tempo aberta. E não foi diferente neste fim de semana frio e chuvoso.

O outro livro fala sobre a cidade e faz parte de um certo compromisso, pois faço um trabalho sobre o tema e fui buscar inspiração. Paisagens Urbanas, de Nelson Brissac Peixoto, que foi coordenador do projeto Arte/Cidade, nos anos 90. Em cada capítulo uma discussão sobre a cidade, uma maneira diferente de pensar a arte e, conseguentemente, muitas ideias dançavam em minha mente embaladas por música urbana. “... A poesia então nasceria da compreensão da incapacidade das palavras darem conta da paisagem. Ela torna disponível à invasão das nuances, torna passível ao timbre: é a escrita da descrição impossível”.

No fim da tarde fazia um frio danado, fiz uma sopa de legumes, dei uma cochilada de quase uma hora, já tinha anoitecido às 5 da tarde. Naquele acordar sonâmbulo de um dia como esses, eu não sabia ao certo aonde estava, se era em Tupãssi, trancado num quarto onde eu colocava um beliche na porta, pois minha mãe tinha sumido coma a chave, ou se era numa tarde de um dos 4 invernos que passei na Inglaterra, quando eu ainda tinha esperança de que o amor é mesmo uma boa companhia... mas aos poucos a realidade estava de volta, a flor branca da cortina preta me trazia de volta...
Através da janela vi uma cidade encoberta pela neblina...

“Though we rush ahead to save our time
We are only what we feel...”
Da música cantada pelo Legião Urbana: On the way home

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Miguel Rio Branco no Japão.




"Numa angústia fervilhante, das profundezas à superficie, da esquerda para direita, perdendo algumas vezes a noção certa de equilíbrio, de cabeça para baixo ou de lado, de olhos esbugalhados e olhar vazio, a boca com aqueles dentes engraçados, inaptos a gritar pelo horror que movimenta freneticamente o outro lado da parede do vidro. Eles lhe abrem e retiram o veneno, sua única defesa contra o mundo nem sempre suave... e alguém lhe come... Devo dizer que maior parte de minha vida, passando por diferentes sociedades, me senti muitas vezes na posição de um voyeur aprisionado, dentro de algum tipo de jaula, olhando para o mundo através de um vidro espesso, mas com a diferença que eu sempre pude canibalizar as outras culturas"
Miguel Rio Branco.

domingo, 19 de abril de 2009

Have a coffee?


Em toda grande cidade encontramos alguns refúgios, pra entrar e esquecer da agitação da vida do lado de fora. Em São Paulo, bem no começo da Avenida Paulista tem um café, no décimo quinto andar do Prédio do Sesc Paulista. Depois de passar por uma entrada cheia de fotos de peças que já foram realizadas nos Sescs de São Paulo, o visitante encara um elevador apertado com várias dicas escritas nas paredes de que tal economizar energia, ajudar o planeta e ainda por cima se exercitar? Como? Simples, usar mais as escadas.

Vamos aceitar a ideia aqui de que pra se ter direito a um oásis você precisa de algum esforço. Apesar de que na última vez que estive lá, o sacrifício veio depois, na mais de uma hora que enfrentei de trânsito para ir do começo da Avenida Paulista até a Vila Madalena, mas suponhamos que você não viva numa cidade em que precise encarar vários desafios diários e, caso ainda precise de um pouco de sofrimento para chegar ao refúgio, ok, encare as escadarias e vamos logo tomar nosso café com vista.

Cheguei lá num fim de tarde desse outono luminoso e colorido. Enquanto esperava minha vez na fila do caixa fiquei observando o ambiente, umas mesas de madeiras, algumas pessoas sozinhas, lendo, outras em rodas de bate papo. O sol entrava por uma janela que vai de fora a fora, iluminando o contorno das pessoas. Peguei meu café e fui para área de fora. Fazia um frio danado que me deu um bem estar gostoso e comecei a fazer algumas fotos. Como não estava a fim de me aborrecer, tentei ser discreto, pois em São Paulo tem uma cultura de quanto mais difícil for fotografar em alguns lugares melhor é. Qual fotógrafo nunca foi barrado por algum segurança ou funcionário de algum estabelecimento que com um inexplicável prazer vem te dizer que é necessário pegar autorização antes? A tarde estava linda demais, eu estava num dos meus melhores momentos desta semana e não queria dar chance que nada mudasse isso.

Este lugar junta duas das coisas que gosto muito. Uma, de ver a paisagem de cima, talvez por eu ter crescido numa cidade que o maior prédio tinha dois andares; e a outra de ir a cafés, por todos os lugares que vou sempre quando quero relaxar procuro um café bonito para me esconder. Isso porque só comecei a tomar café com 27 anos, quando morava em Londres e durante os invernos gélidos precisava chegar às 7 da manhã para abrir a catering que eu trabalhava e preparar o café para as funções da manhã. Fui facilmente seduzido pelo cheiro forte da bebida, que depois disso nunca mais parei de tomar.

O café é gostoso, tem um preço justo, te oferecem revistas e jornais e do alto de uma das principais avenidas de São Paulo você pode fazer de conta que não tem nada a ver com aquele caos que tão tranquilamente observa.

domingo, 12 de abril de 2009

A viagem continua...

Foto feita do alto do Edifício Martinelli, no centro de São Paulo.


No começo do ano resolvi postar neste blog imagens de São Paulo, a cidade em que vivo. Com base no livro "Viagem à Roda do meu Quarto", de Xavier de Maistre, me propus a visitar a cidade, fotografá-la e postar aqui meus comentários e impressões. Não tem sido uma tarefa fácil. Como eu já previa, quando se tem outras tantas coisas para fazer, parar e observar a cidade não é tão tranquilo assim... pelo menos não na intensidade em que eu acredito que devam ser essas observações, ou seja, como se trata de um blog de viagens, quero poder falar com a curiosidade de um viajante.
Mas tem sido um bom exercício, uma maneira de entender melhor quais as razões de ter escolhido esta cidade para viver e também o porquê de estar aqui.

Terminei o livro, comecei outros que me levou a tantas outros lugares (estes bem distantes do meu quarto) mas quero voltar a ele neste blog e em sua relação com o que me despertou a vontade de aproveitar mais a "minha" cidade, mas nestes primeiros meses do ano tantas coisas me aconteceram que tive que deixar um pouco de lado minha tarefa. Mas as reflexões estão sempre presentes, quer pela janela do meu apartamento, quando observo a cidade dando outros contornos ao horizonte, ou quando me locomovo ou fico parado esperando para me locomover, ou quando leio alguma coisa falando sobre a cidade.
Enfim, São Paulo continua bem aqui e para ser sincero tem feito uns dias lindos desse outono tímido, com um céu azul bem exibido, parecendo rir de quem não tem tempo de observar tanta beleza. Espero corrigir este meu grande erro e arrumar mais tempo para esse espetáculo diário e, é claro, dividir tudo isso com vocês.

segunda-feira, 2 de março de 2009

Parque Ibirapuera

Luz e sentido e palavra

Palavra é que o coração não pensa

Se o mundo é mesmo parecido com o que vejo

Prefiro acreditar mo mundo do meu jeito

E você estava esperando voar
Mas como chegar até as nuvens com os pés no chão?

O que sinto muitas vezes faz sentido

E outras vezes não descubro o motivo

Que me explica porque é que não consigo ver sentido
No que sinto, o que procuro, o que desejo e o que faz parte do meu mundo.

(...)
Vai, vem embora, volta
Todos tem, todos tem suas próprias razões.

Com trechos da música do Legião Urbana
Eu Era Um Lobisomem Juvenil

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

São Paulo em Preto e Branco


"Seguiremos por pequenas jornadas, rindo, ao longo do caminho, dos viajantes que viram Roma e Paris. - Nenhum obstáculo poderá deter-nos; e, entregando-nos jovialmente a nossa imaginação, segui-la-emos por toda parte onde ela se compraza em nos conduzir,"
Xavier de Maistre


Memorial da América Latina

Memorial da América Latina

Memorial da America Latina

Teatro Municipal de São Paulo


Centro de São Paulo


Vista do cinema HSBC Belas Artes


Avenida Paulista

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Um Passeio rápido pela 25 de março


Cheguei na Rua 25 de março numa manhã nublada determinado a descobrir o que atrai tanta gente a este lugar, que para mim, está longe de ser divertido. Sempre que vem algum parente ou amigo do Paraná, já sei que uma das exigências será passar um bom tempo andando por lá.

Resolvi neste dia treinar, não só o meu olhar para cidade, como também tentar me aproximar mais das pessoas que fotografo. Com uma plancheta cheia de autorizações de uso de imagens em uma das mãos e equipamento na outra, desci a ladeira Porto Geral. Logo no início, na saída tumultuada do metrô São Bento, vi uma loja com artigos para carnaval.
A ideia seria fotografar alguns personagens que estejam vinculados ao lugar, fazer uma pequena entrevista e descobrir o que os levou a 25.

Vi uma Senhora, toda vestida de preto. Ela estava ao lado de um manequim com uma fantasia muito colorida. Meio tímido me aproximei, identifiquei-me como jornalista, dei uma gaguejada, é verdade, mas ela aceitou participar. Logo apareceram as primeiras perguntas que, confesso, não tinha pensado nas respostas que eu deveria saber, como por exemplo – Porquê você está fazendo isso? Sabe, tem um livro... Enfim, quando disse que precisava fazer uma fotografia, já veio a primeira negação – A não filhinho, foto minha não.

Entre outros tantos naos, minha primeira tentativa de me aventurar pela 25 de março foi frustada. Passei um bom tempo tentando abordar as pessoas e ouvi várias maneiras diferentes de não concordarem com o meu pedido. O mais divertido deles, foi de duas irmãs, uma puxando a outra que tentava se livrar do jornalista, dizendo: hoje não queridinho, temos muito ainda o que andar... Não é que o diminutivo ajudou e até que me diverti com a situação. Porque será que não tinha nenhuma Tia minha por ali, que adoraria ser abordada e ainda mais para tirarem uma foto dela?

Foi quando recebi o telefonema de uma amiga, a Camila Garcia, me convidando para ir ao cinema. Quando disse aonde eu estava, ela logo disse, e porque não me chamou? Pronto estava ai a deixa para interromper os trabalhos e marcar uma nova tentativa, desta vez com a ajuda dela como produtora.

Combinamos para o outro dia bem cedo. Nos encontramos no metrô, descemos na estação da Sé, passamos pela multidão de trabalhadores andando rápido por nós, descemos até o mosteiro São Bento e paramos para tomar uma café num ligar tão charmoso que deu vontade de ficar por ali mesmo, o café Girondino.

Estávamos bem perto do maior shopping aberto do Brasil, ou seria do mundo? Ah não, deve ter um maior na China, vi isso em algum lugar. Não importa, é gente que não acaba mais, ah, e tem carros também tentando seguir no meio de dezenas de pessoas com sacolas cheias nas mãos.

O que eu recebi de não a Camila teve em dobro de sorrisos e respostas concordando com a abordagem. Tem gente que nasce mesmo para coisa e a Camila demostrou um talento nato.

A primeira foto foi de duas amigas, a Karina Chu Chang e a Suzany Lee, elas estavam a procura de material escolar; já a Dona Myrthes e sua sobrinha Clara, se pudessem iam todos os dias na 25. Pronto, eu sabias que tinha gente assim, estava ai, para Dona Myrthes a 25 de março é o melhor lugar de São Paulo.

Continuamos nossa jornada 25 a dentro, mas eu não estava a vontade. Parar a pessoa, conversar e pedir autorização de imagem para mim estava criando uma barreira e, consequentemente, dificultando na hora de fotografar. Parece que as pessoas, depois de tantas preliminares, esperavam algo mais de mim. Eu estava fora de minha zona de conforto.

A Camila percebeu mas acho que não entendeu o que se passava, estávamos porém prestes a conhecer uma personagem que fez valer o dia. Ao lado de uma barraca de bijuterias tinha uma mulher, loura, de cabelos e pele bem tratada. Palmira Amancio trabalha no circo do Beto Carreiro, está de folga e não sai da 25 de março. Enquanto conversávamos ela comprou R$50,00 em brincos, colares e afins. Foi a primeira pessoa em uma feira como essas que eu vi pagando sem pedir nenhum desconto. Ah minha Tia aqui!!Logo depois seu companheiro, Adriano, apareceu e fiz minha melhor foto.

Antes de ir embora ainda encontramos um ex funcionário do SBT, o Petrucio Melo, hoje dono da TV Orkut, ele foi direto a loja que precisava, falava com a gente enquanto comprava. Fiz a foto e, rapidamente ele se perdeu na multidão que todos os dias faz aquele pedaço de terra no centro de São Paulo parecer um formigueiro humano.

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Enfim, as ruas.


Não pensei que fosse ser fácil, mas também não imaginei que seria tão difícil. Sai todos estes dias com a camêra, até fiz alguns cliques, mas fotos boas, nada!

A primeira tentativa foi na marginal pinheiro. A sexta-feira estava cinza, entrei na estação de trem Rebouças e aquele cheiro insuportável do Rio, que quando chove fica ainda pior. Chegando na plataforma vi que o trem estava chegando e, neste exato momento, o sol saiu. Olhei pro Rio, estava negro de sujeira, em primeiro plano porém, algumas árvores floridas de amarelo compunham a paisagem. Não hesitei, abri rápido a mochila e, numa luta com o tempo, pois a chegada do trem taparia minha visão, fiz a foto. Entrei rápido e encontrei um vagão cheio.

A história pode até ser boa, mas a fotografia estava péssima. Não podia haver clichê mais apelativo. Numa época de invasão das imagens, em que basta alguns cliques no google image para ter várias opções de fotos de determinado lugar, fazer fotografia, algo que você olhe e reconheça como seu, uma maneira própria de mostrar aquilo que você pensa, é tarefa cada vez mais difícil.

Desisti de fotografar naquele dia e passei a refletir sobre a cidade, minha relação com ela. Pensei sobre o trabalho de outros fotógrafos, escritores, artistas que têm São Paulo como tema. Fui, enfim, buscar inspiração.

Visitei uma exposição na galeria da Caixa na Av. Paulista sobre a Espanha. Leonardo Kossoy é, como explica o folheto, um fotógrafo “que explora de forma original o conceito de lugar”, o que de uma maneira é o que propondo neste trabalho. Gostei muito das imagens, capturadas durante anos em diversas viagens ao país. Os títulos das obras no entanto me irritaram profundamente. Não estava sendo um bom dia e fui tomar um café.

Não poderia escolher uma semana mais apropriada para começar minha viagem. São Paulo era notícia em quase todos os cadernos de jornais. No domingo a cidade fez 455 anos e encontrei estatísticas para tudo: o melhor parque, no entanto o menos frequentado; o pior parque, porém o mais frequentado; as velhas histórias de quem sai e de quem não quer sair da cidade por nada na vida; os rostos multiculturais agradecendo por terem sido acolhidos pela cidade... nada que trouxesse algo novo. Ouço essas velhas/novas histórias de arquivo de jornal todo ano, desde que cheguei aqui, há quase nove anos. O que muda são os números, os 450 anos da cidade foram uma loucura, agora já os 455 estavam meio morno.

Mesmo tendo trabalhado na cobertura do aniversário da cidade não fiz nada que merecesse ser mostrado, a não ser, uma foto, feita na volta pra casa, da vista da estação de metro mais charmosa da cidade: Sumaré.
A segunda-feira foi mais produtiva. Acordei cedo com destino a 25 de março. Passei pelo Vale do Anhamgabaú e na Praça Ramos lembrei de um fotógrafo, o Carlos Moreira, e as belas imagens daquele lugar. Arrisquei alguns cliques. Acho que estou perdendo a timidez, ou seria a rabugice com a cidade?

Minha jornada na rua mais movimentada de São Paulo (não sei ao certo se esta informação está correta, mas não pode haver um lugar com mais concentração de gente do que lá), não deu certo, mas enfim conto isto um outro dia, já que para este, ao menos, estou com coragem de mostrar o que fiz.

domingo, 25 de janeiro de 2009

O Passar das horas

“Meu quarto está situado sob o quadragésimo quinto grau de latitude, conforme as medições do padre Beccaria; sua direção é do levante para o poente; ele forma um retângulo que mede trinta e seis passos, seguindo-se bem rente à parede. Todavia, a minha viagem há de conter mais que isso; pois atravessarei o quarto muitas vezes no comprimento e na largura, ou então diagonalmente, sem seguir regra nem método. – Farei até ziguezagues, e percorrerei todas as linhas possíveis em geometria, se a necessidade o exigir.

Não gosto das pessoas que são tão donas dos seus passos e das suas ideias, que dizem: “Hoje eu farei três visitas, escreverei quatro cartas, terminarei esta obra que comecei”. – A minha alma é de tal modo aberta a toda sorte de ideias, de gostos e de sentimentos; recebe tão avidamente tudo o que se apresenta!...

– E por que haveria ela de recusar os gozos que estão dispersos pelo difícil caminho da vida?
Eles são tão raros, tão disseminados, que seria preciso estar louco para não se deter, desviar-se mesmo do próprio caminho, para colher todos os que estiverem ao nosso alcance.
Não há nenhum mais atraente, no meu entender, do que o de seguir a pista das próprias ideias, como o caçador persegue a caça sem que pareça observar qualquer rota. Por isso, quando viajo pelo meu quarto, raramente percorro uma linha reta: vou da minha mesa até um quadro colocado num canto; dali parto obliquamente para ir até a porta; mas, embora esta seja a minha intencão ao partir, se no caminho encontro a minha poltrona não faço cerimônia e acomodo-me nela imediatamente. – É um excelente móvel uma poltrona; é, sobretudo, de extrema utilidade para todo homem meditativo. Nas longas noites de inverno, é algumas vezes agradável e sempre prudente nela nos recostar-mos indolentemente, longe do fragor das assembléias numerosas. – Uma boa Lareira, livros, penas; quantos recursos contra o tédio! E que prazer, também, esquecer os livros e as penas para atiçar fogo, entregando-se a alguma doce meditação, ou compondo umas rimas para alegrar os amigos!
As horas então deslizam sobre nós, e caem em silêncio na eternidade, sem nos fazer sentir a sua triste passagem”

Texto de Xavier de Maistre

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Viagem à Roda do Meu Quarto


(...)”Eu empreendi e executei uma viagem de 42 dias à roda do meu quarto. As observações interessantes que fiz e o prazer contínuo que experimentei ao longo do caminho davam-me o desejo de torná-la pública; a certeza de ser útil me convenceu a fazê-lo. (...) O prazer que se sente ao viajar em seu quarto está ao abrigo do ciúme inquieto dos homens; é independente da fortuna”.
Xavier de Maistre.

Este blog tem sido um lugar onde escrevo sobre minhas viagens de trabalho. Já estivemos juntos na Índia, onde tudo começou, Nepal e no México. No começo de janeiro porém aconteceu algo que me levou a pensar em continuá-lo aqui mesmo na cidade onde moro. Logo depois do reveillon, tive que voltar a São Paulo. Eu estava programando minhas férias de final de ano até 14 de janeiro, mas devido a este compromisso profissional, desembarquei na capital paulistana antes, bem antes, no dia 04 de janeiro.

Sou um fotógrafo que me sinto particularmente atraído por viagens. É quase um vício. Eu poderia passar horas e páginas relatando coisas absurdas que já fiz para me deslocar a outro lugar. Uma paixão que começou na infância (quem tem acompanhado o blog vai se lembrar de algumas delas) e continua cada vez mais forte.

Não posso deixar de admitir que um dos motivos que me levou a desistir da faculdade de direito, menos de 2 anos antes de terminá-la, de me formar jornalista e me especializar em fotografia foi a possibilidade de viajar. Tem sido uma bela aventura.



A fotografia acabou sendo uma grande ferramenta para eu observar o mundo. Posso sair por ai com uma câmera nas mãos e mesmo sozinho, me sinto o mais acompanhado de todos os seres. Como numa tarde de final de verão, quando num café em Nova Yorque, depois de horas caminhando pelas quadras numeradas daquela cidade fantástica, um americano me viu tão concentrado no que fazia que quis saber o segredo, pois, segundo ele, eu parecia fascinado.

Ele tinha razão, sou completamente louco por minha profissão. No entanto eu percebo que tenho uma grande dificuldade. Em conversas com outros amigos fotógrafos, descobri que isso também acontece com muitos: uma estranha negação em fotografar a própria cidade.



De volta a São Paulo, mas com a cabeça ainda em férias, me deparei com uma cidade estranhamente calma. Cheguei na padaria que fica bem em frente ao prédio que moro por volta das 7 da manhã do primeiro domingo do ano. Fui recebido pelos funcionários com desejo de bom ano, perguntas sobre as festas... Neste momento em que eu esperava a costumeira média e o pão com uma manteiga que me faz lembrar as que eu ajudava minha avó fazer, me lembrei de um sonho que tive, dias antes.

Eu estava em Florianópolis junto com minha mãe e irmãos, e pela primeira vez na vida sonhei com minha casa. Foi estranho, como costuma ser os sonhos, eu tinha deixado algumas carnes congeladas e encontrei uma geladeira aberta, com água derramando...

Foram com esses pensamentos e sensações que mesmo tendo interrompido as férias cheguei, com uma estranha sensação de felicidade, em casa.

No outro dia a surpresa: o trabalho não iria acontecer. Por motivos, que não vem ao caso relatar, este compromisso deixava de existir. Foi assim que me vi completamente sem ter o que fazer nesta cidade de São Paulo. Pensei em primeiro descansar, para depois descobrir que rumo tomar.

Lembrei então de um livro, de um escritor francês do século XVIII, Xavier de Maistre, que relatava a história de uma viagem por seu quarto. Peguei um exemplar e, na livraria mesmo, comecei a folhear, enquanto tentava dar ordem a um turbilhão de idéias.



O livro, com bastante humor, é uma sátira aos guias de viagens e uma crítica ao estilo de vida burguês. Para mim no entanto veio como fonte de inspiração. Acho que havia chegado a hora de tentar desvendar esta cidade.

No dia seguinte peguei uma câmera alemã, totalmente manual, que comprei num antiquário em Londres por uma libra (o equivalente hoje a três reais). Precisei vedá-la com fita isolante preta e sai sem rumo por São Paulo. Vaguei pelo bairro do Sumaré, entrei no cemitério do Araçá e passei o resto da tarde numa praça perto da minha casa. Não andei muito é verdade, mas confesso que me diverti o suficiente para desejar continuar.

Como toda viagem que se preze, vou marcar uma data para acabar. Serão os mesmos 42 dias citados pelo escritor francês, contados a partir deste primeiro post, já que seu livro foi o motivador da aventura. Como não estarei de férias propriamente dita, sairei pela cidade sempre que possível, fotografando, visitando lugares, descrevendo-os, criando enfim a minha própria viagem pela cidade que escolhi para viver.
Conto com a companhia de vocês.

Com filme e totalmente manual.



Fiz estas fotos no Rio de Janeiro, em dezembro último. Eu consegui conciliar um trabalho com as férias de minha irmã Rosana e o marido, que vivem em Londres. Deixei o equipamento pesado e que sempre requer atenção, no hotel e saí apenas com uma câmera analógica e totalmente no manual.
Foi um ótimo exercício. Tinha que voltar a pensar sobre tudo: distancia de onde eu estava ao que desejava fotografar; incidência da luz, entre tantas outras coisas que no digital passam despercebidas.





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