terça-feira, 21 de outubro de 2014

A difícil tarefa de chegar perto.


Ontem acordei bem cedo. Tenho dormido com as cortinas abertas. Além da vista do 21º andar ser magnífica, eu sei se o tempo está bom ao amanhecer e hoje foi o dia mais ensolarado até agora. Antes das 7h já estava nas ruas e fui até o bairro “Old Montreal”.
Antes de começar a fotografar parei em um café, além de sono, eu estava sentindo muito frio. É incrível como, às vezes, a única coisa que precisamos é um bom café da manhã, meu ânimo melhorou bastante e voltei ao meu ofício. Hoje estava determinado a me aproximar das pessoas. Após alguns dias em Montreal, estava na hora de chegar mais perto. Sempre, quando viajo, gosto de fazer isso, acaba sendo quase como uma brincadeira - fotografar pessoas desconhecidas, sem pedir autorização.
Comecei a andar pelo bairro e vi todo mundo sério, indo trabalhar. A semana começava corrida, como em qualquer outra grande cidade do mundo.
Caminhei até o porto e encontrei alguns jovens vestidos de zumbis. Eles fazem um show na região, já tinha visto na noite anterior, quando andávamos pela área. Passei por eles e me senti intimidado. Não sei explicar o motivo, mas comecei a arrumar várias desculpas para não fotografá-los. Segui o caminho mas fiquei muito incomodado. A seguir, o diálogo interno que travei comigo mesmo:
-volta lá caramba!
-Será?
-Claro, vc não vive dizendo pro seus alunos que tem que se aproximar das pessoas?
-Mas eles são zumbis!!
-Halloween está chegando e você sabe que é uma data especial pros canadenses!
-Ah, que saco, olha que gaivota bonita lá!!
-Não, volta e faz seu trabalho!
Como muitos fotógrafos, eu também não gosto de pedir para fotografar, acho que perde a naturalidade. Voltei pro tentar a sorte com os zumbis. Olhei até ser visto, dei um sorriso tímido, e dois deles se aproximaram. Peguei a câmera, que já estava com a fotometria certa - é claro!, e comecei a clicar. Fiz isso com calma, poucos cliques e mais tentativas de conexão. Eles entraram na brincadeira e começaram a fazer a performance. Isso tudo sem trocar uma única palavra. Terminei, agradeci com outro sorriso, esse mais largo, pois eu estava aliviado. Saí dali e encontrei um grupo de orientais fotografando. Cheguei bem próximo e, com calma, fotografei…
Com a boa sensação de dever cumprido sai pelas ruas a procura de mais pessoas. Terminei o dia no Ateliê de um jovem estilista, que está despontando na moda de Montreal. A cidade é um importante polo fashion do Canadá. Chegando lá encontrei um livro do fotógrafo alemão August Sander, um grande retratista e que marcou toda uma geração de pessoas entre as duas grande Guerras. Em suas fotos vemos pessoas, há muito desaparecidas, nos encarando, marcando sua presença na Terra. Nada mal para terminar um dia em que passei olhando e registrando desconhecidos nas ruas de Montreal.

sábado, 18 de outubro de 2014

flâneur, iPhones e outras considerações.


Dizem que tive sorte com o clima, justo nesta semana está fazendo o que os canadenses chamam de "India Summer", quando o tempo esquenta de repente. Apesar de quente, tem chovido bastante.
Ontem coloquei o despertador para me chamar às 6 da manhã, a previsão dizia que o sol sairia às 7, então queria estar na rua. Quando abri as curtias vi um tempo feio e chovendo. Mesmo tendo ido dormir tarde, depois de uma noitada celebrando o projeto com o Luc e alguns amigos, eu estava animado demais para ficar na cama e sai assim mesmo.
Existe uma palavra em francês que os fotógrafos de ruas adoram usar - flâneur. Que significa sair sem rumo pelas ruas, sentindo o espírito da cidade.
Enquanto eu andava pelas ruas de Montreal, estava pensando nisso, no prazer que a fotografia traz pra tantas pessoas, ela é uma possibilidade para você estar no mundo de um jeito diferente, se conectar com pessoas e coisas de um jeito que só ela permite. Ela nos autoriza a chegar perto a ter uma razão para realizar o que nos motiva.
Mas o mundo está mudando muito. Existe uma diferença grande entre o flâneur de hoje e o de alguns anos atrás. A principal diferença pra mim é o fato de estarmos acostumado a falta de tempo. Acostumado sim, pois até quando podemos fazer as coisas com mais calma, parece que algo está fora de ordem.
Pensava em tudo isso quando começou a chover forte e entrei no primeiro café que encontrei. Por sorte, tinha um lugar perto da janela. Depois de me esquentar comecei a, como dizem os ingleses, "watching people". A janela tinha um formado interessante que logo ajustei ao frame do meu iPhone (muito mais prático que a pesada câmera). De repente percebi que tinha algo novo acontecendo ali. Um jeito novo (bem, não tão novo assim... rs) do fotógrafo se conectar com a cidade.
Hoje todo mundo fotografa com smart phones. As fotos são armazenadas e quando vc visita seu album encontra um monte de coisas parecidas. Isso é uma outra imagem, se você pensar que no celular enquanto um enquadramento. Tive então a ideia de fazer dessas fotos da janela, uma única imagem.
O fotógrafo do século passado saia pela cidade e esperava as coisas acontecerem. Tinha tempo suficiente pra aguardar tudo se alinhar - mente, olho, coração. Como gostava o mestre Bresson. Agora não dá não, tá tudo girando forte e precisamos enfrentar as ruas de um outro jeito.

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Uma semana de outono em plena primavera


Passar uma semana fazendo "Street Photography" em Montreal, no Canadá. Foi essa a proposta de trabalho que recebi para o projeto "Olhares Cruzados". Recomendações? - Vá a Montreal e fotografe o que te chamar a atenção!
Quando o convite chegou, demorei a acreditar que fosse isso mesmo. Peraí, ainda existe esse tipo de fotografia romântica onde o que vale é o ensaio confessional do fotógrafo?
Sim, existe, e se é um sonho eu estou no meio dele e estou tratando de aproveitar ao máximo.
Cheguei em Montreal, depois de uma conexão tumultuadíssma em Toronto. Mais uma vez eu fui confundido com um terrorista (??) - em NY aconteceu o mesmo. Fui levado para uma sala de entrevistas, me trataram como se eu fosse um ser perigoso, perguntaram coisas do tipo: qual a capital do Brasil? e depois de eu tirar quase toda a roupa de tanto calor que fiquei, me liberaram. Ainda bem, pois a mulher me olhava tão feio, que eu já estava acreditando ser um perigo pra América do Norte!!
Corri feito um doido pra pegar a conexão e depois de uma hora cheguei em Montreal.
No aeroporto, meu amigo Luc - o outro fotógrafo do projeto - estava me esperando. Nada como, depois de um susto, ter alguém pra cuidar de você, e ele faz isso como ninguém, me emprestou um telefone, imprimiu mapas, anotações por escrito, a previsão do tempo para todos os dias em que estarei aqui, e me deixou no hotel antes de ir pro trabalho.
Comecei na fotografia no finalzinho dos anos 1990, quando morava em Londres. Meu primeiro professor foi um italiano romântico que durante as sessões de laboratório no quarto escuro, falava de suas viagens pelo mundo. Não sei se devido ao efeito dos químicos eu viajava junto com ele.
Agora, uma década e meia depois, estou aqui como fotógrafo contratado para um trabalho de "street Photography". Já fiz isso outras vezes, este blog está cheio de histórias assim, mas sempre parece ser especial. Quando eu soube deste projeto revistei os grandes fotógrafos - nomes que sempre admirei. O primeiro foi Sergio Larrain, fotógrafo preferido de minha amiga/irmã, a também fotógrafa Milla Jung. Ele parou de fotografar há anos, mas o que fez é coisa de mestre. Até hoje me emociono com suas fotos de Londres nos anos 1960. Depois segui a lista dos clássicos - Robert Frank, Diane Arbus...
Agora estou aqui em um café na Rue St. Catherine. Enquanto chovia fiz amizade com o garçon, um indiano que vive há anos no Canadá. Ele encheu tantas vezes minha xícara de café que me sinto ligadaço!
O sol acaba de sair e as ruas me esperam! Até!!!