quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Viagem à Roda do Meu Quarto


(...)”Eu empreendi e executei uma viagem de 42 dias à roda do meu quarto. As observações interessantes que fiz e o prazer contínuo que experimentei ao longo do caminho davam-me o desejo de torná-la pública; a certeza de ser útil me convenceu a fazê-lo. (...) O prazer que se sente ao viajar em seu quarto está ao abrigo do ciúme inquieto dos homens; é independente da fortuna”.
Xavier de Maistre.

Este blog tem sido um lugar onde escrevo sobre minhas viagens de trabalho. Já estivemos juntos na Índia, onde tudo começou, Nepal e no México. No começo de janeiro porém aconteceu algo que me levou a pensar em continuá-lo aqui mesmo na cidade onde moro. Logo depois do reveillon, tive que voltar a São Paulo. Eu estava programando minhas férias de final de ano até 14 de janeiro, mas devido a este compromisso profissional, desembarquei na capital paulistana antes, bem antes, no dia 04 de janeiro.

Sou um fotógrafo que me sinto particularmente atraído por viagens. É quase um vício. Eu poderia passar horas e páginas relatando coisas absurdas que já fiz para me deslocar a outro lugar. Uma paixão que começou na infância (quem tem acompanhado o blog vai se lembrar de algumas delas) e continua cada vez mais forte.

Não posso deixar de admitir que um dos motivos que me levou a desistir da faculdade de direito, menos de 2 anos antes de terminá-la, de me formar jornalista e me especializar em fotografia foi a possibilidade de viajar. Tem sido uma bela aventura.



A fotografia acabou sendo uma grande ferramenta para eu observar o mundo. Posso sair por ai com uma câmera nas mãos e mesmo sozinho, me sinto o mais acompanhado de todos os seres. Como numa tarde de final de verão, quando num café em Nova Yorque, depois de horas caminhando pelas quadras numeradas daquela cidade fantástica, um americano me viu tão concentrado no que fazia que quis saber o segredo, pois, segundo ele, eu parecia fascinado.

Ele tinha razão, sou completamente louco por minha profissão. No entanto eu percebo que tenho uma grande dificuldade. Em conversas com outros amigos fotógrafos, descobri que isso também acontece com muitos: uma estranha negação em fotografar a própria cidade.



De volta a São Paulo, mas com a cabeça ainda em férias, me deparei com uma cidade estranhamente calma. Cheguei na padaria que fica bem em frente ao prédio que moro por volta das 7 da manhã do primeiro domingo do ano. Fui recebido pelos funcionários com desejo de bom ano, perguntas sobre as festas... Neste momento em que eu esperava a costumeira média e o pão com uma manteiga que me faz lembrar as que eu ajudava minha avó fazer, me lembrei de um sonho que tive, dias antes.

Eu estava em Florianópolis junto com minha mãe e irmãos, e pela primeira vez na vida sonhei com minha casa. Foi estranho, como costuma ser os sonhos, eu tinha deixado algumas carnes congeladas e encontrei uma geladeira aberta, com água derramando...

Foram com esses pensamentos e sensações que mesmo tendo interrompido as férias cheguei, com uma estranha sensação de felicidade, em casa.

No outro dia a surpresa: o trabalho não iria acontecer. Por motivos, que não vem ao caso relatar, este compromisso deixava de existir. Foi assim que me vi completamente sem ter o que fazer nesta cidade de São Paulo. Pensei em primeiro descansar, para depois descobrir que rumo tomar.

Lembrei então de um livro, de um escritor francês do século XVIII, Xavier de Maistre, que relatava a história de uma viagem por seu quarto. Peguei um exemplar e, na livraria mesmo, comecei a folhear, enquanto tentava dar ordem a um turbilhão de idéias.



O livro, com bastante humor, é uma sátira aos guias de viagens e uma crítica ao estilo de vida burguês. Para mim no entanto veio como fonte de inspiração. Acho que havia chegado a hora de tentar desvendar esta cidade.

No dia seguinte peguei uma câmera alemã, totalmente manual, que comprei num antiquário em Londres por uma libra (o equivalente hoje a três reais). Precisei vedá-la com fita isolante preta e sai sem rumo por São Paulo. Vaguei pelo bairro do Sumaré, entrei no cemitério do Araçá e passei o resto da tarde numa praça perto da minha casa. Não andei muito é verdade, mas confesso que me diverti o suficiente para desejar continuar.

Como toda viagem que se preze, vou marcar uma data para acabar. Serão os mesmos 42 dias citados pelo escritor francês, contados a partir deste primeiro post, já que seu livro foi o motivador da aventura. Como não estarei de férias propriamente dita, sairei pela cidade sempre que possível, fotografando, visitando lugares, descrevendo-os, criando enfim a minha própria viagem pela cidade que escolhi para viver.
Conto com a companhia de vocês.

3 comentários:

Unknown disse...

Que bonito ver vc fotografando na imensidão invisível de seu universo aparentemente banal.

Os viajantes são assim mesmo, filho, e desde muito tempo atrás: insistem em ver o estranho de longe para poder encontrar a si mesmo, ou sua cidade. Tem imagens suas da Índia, colocadas nesse blog, que vc poderia ter encontrado um pouco em Sampa. Mas um Marco Polo de câmara escura na mão, vc descreve muitos dos cantos invisíveis do mundo.

Ao nos dar teu inusitado de viajante, vc me faz rever o meu mundo. Isso é lindo.

Quem sabe agora vc verá com outros olhos a tua Veneza?

Ana Vasconcelos disse...

Amei seu texto e seu propósito. E fiquei curiosa para ler o livro (antes da próxima Flip, porque depois, é aquele turbilhão).
Bjs.
Ana

Anônimo disse...

As fotos me deixaram sem ar. Especialmente as duas primeiras. É possível permitir que sejam feitos comentários depois de cada foto? Se fosse possível eu comentaria a respeito da primeira foto:

Até mesmo as raízes, que conhecem o seu papel e o seu destino de permanecerem estáticas para permitir a manutenção da vida, sentem desejo de conhecer a liberdade e buscam o infinito.

E a propósito da segunda:

Asfalto azul, céu cinza, floresta negra. O concreto velho reflete a suposta decadência, e prédios de vidro atingem a pretensa modernidade. Árvores comuns no lugar de onde vim, espécie exótica nesta cidade indecifrável, comprovam que aqui o belo é mais belo e raro.

Cristiano Morais