terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Enfim, as ruas.


Não pensei que fosse ser fácil, mas também não imaginei que seria tão difícil. Sai todos estes dias com a camêra, até fiz alguns cliques, mas fotos boas, nada!

A primeira tentativa foi na marginal pinheiro. A sexta-feira estava cinza, entrei na estação de trem Rebouças e aquele cheiro insuportável do Rio, que quando chove fica ainda pior. Chegando na plataforma vi que o trem estava chegando e, neste exato momento, o sol saiu. Olhei pro Rio, estava negro de sujeira, em primeiro plano porém, algumas árvores floridas de amarelo compunham a paisagem. Não hesitei, abri rápido a mochila e, numa luta com o tempo, pois a chegada do trem taparia minha visão, fiz a foto. Entrei rápido e encontrei um vagão cheio.

A história pode até ser boa, mas a fotografia estava péssima. Não podia haver clichê mais apelativo. Numa época de invasão das imagens, em que basta alguns cliques no google image para ter várias opções de fotos de determinado lugar, fazer fotografia, algo que você olhe e reconheça como seu, uma maneira própria de mostrar aquilo que você pensa, é tarefa cada vez mais difícil.

Desisti de fotografar naquele dia e passei a refletir sobre a cidade, minha relação com ela. Pensei sobre o trabalho de outros fotógrafos, escritores, artistas que têm São Paulo como tema. Fui, enfim, buscar inspiração.

Visitei uma exposição na galeria da Caixa na Av. Paulista sobre a Espanha. Leonardo Kossoy é, como explica o folheto, um fotógrafo “que explora de forma original o conceito de lugar”, o que de uma maneira é o que propondo neste trabalho. Gostei muito das imagens, capturadas durante anos em diversas viagens ao país. Os títulos das obras no entanto me irritaram profundamente. Não estava sendo um bom dia e fui tomar um café.

Não poderia escolher uma semana mais apropriada para começar minha viagem. São Paulo era notícia em quase todos os cadernos de jornais. No domingo a cidade fez 455 anos e encontrei estatísticas para tudo: o melhor parque, no entanto o menos frequentado; o pior parque, porém o mais frequentado; as velhas histórias de quem sai e de quem não quer sair da cidade por nada na vida; os rostos multiculturais agradecendo por terem sido acolhidos pela cidade... nada que trouxesse algo novo. Ouço essas velhas/novas histórias de arquivo de jornal todo ano, desde que cheguei aqui, há quase nove anos. O que muda são os números, os 450 anos da cidade foram uma loucura, agora já os 455 estavam meio morno.

Mesmo tendo trabalhado na cobertura do aniversário da cidade não fiz nada que merecesse ser mostrado, a não ser, uma foto, feita na volta pra casa, da vista da estação de metro mais charmosa da cidade: Sumaré.
A segunda-feira foi mais produtiva. Acordei cedo com destino a 25 de março. Passei pelo Vale do Anhamgabaú e na Praça Ramos lembrei de um fotógrafo, o Carlos Moreira, e as belas imagens daquele lugar. Arrisquei alguns cliques. Acho que estou perdendo a timidez, ou seria a rabugice com a cidade?

Minha jornada na rua mais movimentada de São Paulo (não sei ao certo se esta informação está correta, mas não pode haver um lugar com mais concentração de gente do que lá), não deu certo, mas enfim conto isto um outro dia, já que para este, ao menos, estou com coragem de mostrar o que fiz.

domingo, 25 de janeiro de 2009

O Passar das horas

“Meu quarto está situado sob o quadragésimo quinto grau de latitude, conforme as medições do padre Beccaria; sua direção é do levante para o poente; ele forma um retângulo que mede trinta e seis passos, seguindo-se bem rente à parede. Todavia, a minha viagem há de conter mais que isso; pois atravessarei o quarto muitas vezes no comprimento e na largura, ou então diagonalmente, sem seguir regra nem método. – Farei até ziguezagues, e percorrerei todas as linhas possíveis em geometria, se a necessidade o exigir.

Não gosto das pessoas que são tão donas dos seus passos e das suas ideias, que dizem: “Hoje eu farei três visitas, escreverei quatro cartas, terminarei esta obra que comecei”. – A minha alma é de tal modo aberta a toda sorte de ideias, de gostos e de sentimentos; recebe tão avidamente tudo o que se apresenta!...

– E por que haveria ela de recusar os gozos que estão dispersos pelo difícil caminho da vida?
Eles são tão raros, tão disseminados, que seria preciso estar louco para não se deter, desviar-se mesmo do próprio caminho, para colher todos os que estiverem ao nosso alcance.
Não há nenhum mais atraente, no meu entender, do que o de seguir a pista das próprias ideias, como o caçador persegue a caça sem que pareça observar qualquer rota. Por isso, quando viajo pelo meu quarto, raramente percorro uma linha reta: vou da minha mesa até um quadro colocado num canto; dali parto obliquamente para ir até a porta; mas, embora esta seja a minha intencão ao partir, se no caminho encontro a minha poltrona não faço cerimônia e acomodo-me nela imediatamente. – É um excelente móvel uma poltrona; é, sobretudo, de extrema utilidade para todo homem meditativo. Nas longas noites de inverno, é algumas vezes agradável e sempre prudente nela nos recostar-mos indolentemente, longe do fragor das assembléias numerosas. – Uma boa Lareira, livros, penas; quantos recursos contra o tédio! E que prazer, também, esquecer os livros e as penas para atiçar fogo, entregando-se a alguma doce meditação, ou compondo umas rimas para alegrar os amigos!
As horas então deslizam sobre nós, e caem em silêncio na eternidade, sem nos fazer sentir a sua triste passagem”

Texto de Xavier de Maistre

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Viagem à Roda do Meu Quarto


(...)”Eu empreendi e executei uma viagem de 42 dias à roda do meu quarto. As observações interessantes que fiz e o prazer contínuo que experimentei ao longo do caminho davam-me o desejo de torná-la pública; a certeza de ser útil me convenceu a fazê-lo. (...) O prazer que se sente ao viajar em seu quarto está ao abrigo do ciúme inquieto dos homens; é independente da fortuna”.
Xavier de Maistre.

Este blog tem sido um lugar onde escrevo sobre minhas viagens de trabalho. Já estivemos juntos na Índia, onde tudo começou, Nepal e no México. No começo de janeiro porém aconteceu algo que me levou a pensar em continuá-lo aqui mesmo na cidade onde moro. Logo depois do reveillon, tive que voltar a São Paulo. Eu estava programando minhas férias de final de ano até 14 de janeiro, mas devido a este compromisso profissional, desembarquei na capital paulistana antes, bem antes, no dia 04 de janeiro.

Sou um fotógrafo que me sinto particularmente atraído por viagens. É quase um vício. Eu poderia passar horas e páginas relatando coisas absurdas que já fiz para me deslocar a outro lugar. Uma paixão que começou na infância (quem tem acompanhado o blog vai se lembrar de algumas delas) e continua cada vez mais forte.

Não posso deixar de admitir que um dos motivos que me levou a desistir da faculdade de direito, menos de 2 anos antes de terminá-la, de me formar jornalista e me especializar em fotografia foi a possibilidade de viajar. Tem sido uma bela aventura.



A fotografia acabou sendo uma grande ferramenta para eu observar o mundo. Posso sair por ai com uma câmera nas mãos e mesmo sozinho, me sinto o mais acompanhado de todos os seres. Como numa tarde de final de verão, quando num café em Nova Yorque, depois de horas caminhando pelas quadras numeradas daquela cidade fantástica, um americano me viu tão concentrado no que fazia que quis saber o segredo, pois, segundo ele, eu parecia fascinado.

Ele tinha razão, sou completamente louco por minha profissão. No entanto eu percebo que tenho uma grande dificuldade. Em conversas com outros amigos fotógrafos, descobri que isso também acontece com muitos: uma estranha negação em fotografar a própria cidade.



De volta a São Paulo, mas com a cabeça ainda em férias, me deparei com uma cidade estranhamente calma. Cheguei na padaria que fica bem em frente ao prédio que moro por volta das 7 da manhã do primeiro domingo do ano. Fui recebido pelos funcionários com desejo de bom ano, perguntas sobre as festas... Neste momento em que eu esperava a costumeira média e o pão com uma manteiga que me faz lembrar as que eu ajudava minha avó fazer, me lembrei de um sonho que tive, dias antes.

Eu estava em Florianópolis junto com minha mãe e irmãos, e pela primeira vez na vida sonhei com minha casa. Foi estranho, como costuma ser os sonhos, eu tinha deixado algumas carnes congeladas e encontrei uma geladeira aberta, com água derramando...

Foram com esses pensamentos e sensações que mesmo tendo interrompido as férias cheguei, com uma estranha sensação de felicidade, em casa.

No outro dia a surpresa: o trabalho não iria acontecer. Por motivos, que não vem ao caso relatar, este compromisso deixava de existir. Foi assim que me vi completamente sem ter o que fazer nesta cidade de São Paulo. Pensei em primeiro descansar, para depois descobrir que rumo tomar.

Lembrei então de um livro, de um escritor francês do século XVIII, Xavier de Maistre, que relatava a história de uma viagem por seu quarto. Peguei um exemplar e, na livraria mesmo, comecei a folhear, enquanto tentava dar ordem a um turbilhão de idéias.



O livro, com bastante humor, é uma sátira aos guias de viagens e uma crítica ao estilo de vida burguês. Para mim no entanto veio como fonte de inspiração. Acho que havia chegado a hora de tentar desvendar esta cidade.

No dia seguinte peguei uma câmera alemã, totalmente manual, que comprei num antiquário em Londres por uma libra (o equivalente hoje a três reais). Precisei vedá-la com fita isolante preta e sai sem rumo por São Paulo. Vaguei pelo bairro do Sumaré, entrei no cemitério do Araçá e passei o resto da tarde numa praça perto da minha casa. Não andei muito é verdade, mas confesso que me diverti o suficiente para desejar continuar.

Como toda viagem que se preze, vou marcar uma data para acabar. Serão os mesmos 42 dias citados pelo escritor francês, contados a partir deste primeiro post, já que seu livro foi o motivador da aventura. Como não estarei de férias propriamente dita, sairei pela cidade sempre que possível, fotografando, visitando lugares, descrevendo-os, criando enfim a minha própria viagem pela cidade que escolhi para viver.
Conto com a companhia de vocês.

Com filme e totalmente manual.



Fiz estas fotos no Rio de Janeiro, em dezembro último. Eu consegui conciliar um trabalho com as férias de minha irmã Rosana e o marido, que vivem em Londres. Deixei o equipamento pesado e que sempre requer atenção, no hotel e saí apenas com uma câmera analógica e totalmente no manual.
Foi um ótimo exercício. Tinha que voltar a pensar sobre tudo: distancia de onde eu estava ao que desejava fotografar; incidência da luz, entre tantas outras coisas que no digital passam despercebidas.





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