terça-feira, 10 de julho de 2012

O que há de tão interessante no subsolo de Paris?

Marquei de encontram a Anna, uma garota Russa que eu só conhecia pela troca de alguns e-mails, em um café na esquina do Boulevard Saint-Germain com a Rue Saint-Jacques, bem ao lado do museu de Cluny, um lugar reservado para arte da idade média, na capital francesa.
Cheguei 30 minutos antes do combinado, o verão em Paris está bastante chuvoso, uma boa razão para entrar logo no café, pedir algo pra comer e esperar pela companhia que compartilharia comigo uma das grandes aventuras que esta vida de fotógrafo tem me proporcionado.
Ela atrasou quase uma hora. A ansiedade que já estava alta no começo, depois de dois expressos fortes, estava me deixando louco.
Conheci a Anna por intermédio do Moser, um americano, explorador urbano dos mais respeitáveis. Quando decidi vir a Paris ele se propôs a me ajudar e, por coincidência ela, que também tinha pedido ajuda ao Moser, estaria nos mesmos dias que eu na cidade e também gostaria de se aventurar pelo subterrâneo de Paris.
Durante as quase 1 hora e meia que passei esperando, vendo a cidade cheia de turistas que se acumulavam nas marquises, muita coisa passou pela minha cabeça, eu procurava não pensar no que estava prestes a acontecer, mas era inevitável, eu estava em um café na cidade que eu mais gosto no mundo, esperando alguém que eu nunca tinha visto, indicado por outra pessoa que eu só conhecia pela internet e que eu tinha encontrado através do Bernardo, um grande amigo que mora em São Paulo e, por sua vez, me encontrou depois de ver meu trabalho sobre Chernobyl, que fiz ano passado. Inevitável pensar que eu estava no meio de uma grande teia de comunicação e que a vida tinha ficado bem mais divertida com essa facilidade toda de conectar-se ao mundo. Finalmente o garoto que cresceu em uma cidade minúscula no interior do Paraná estava no mundo e, não contente, queria agora entrar embaixo dele...
Antes de eu começar a pensar que o atraso fosse um sinal para que eu desistisse, Anna chegou ofegante, tentando dar algumas desculpas, mas já tínhamos perdido tempo demais e fomos pra o local onde o Moser nos indicou há alguns metros de onde estávamos.
Foi difícil acreditar, a entrada para nossa aventura nada mais era do que a tampa de um bueiro, em uma das avenidas mais movimentadas da cidade. Olhei pra ela e percebi que eu teria que tomar a iniciativa, pois ela estava dando sinal de desistir.
Abri a tampa quadrada, tinha uma escada pequena que levava até outra base e de lá outra escada para um túnel. O pavor estava tomando conta de mim, uma vez lá dentro, como sair? Entrei, ela veio atrás e fiquei responsável por fechar a tampa. Quando puxei ela caiu com tudo e quase me machuquei.
Esse tipo de coisa você só faz se for rápido, é como pular de bungee jumping, tem que olhar pro horizonte e saltar, senão o medo domina.
Quando vi estava dentro de um túnel apertado. A Anna tinha o mapa, deveríamos ir em direção ao sul, e queira se afastar o mais rápido possível da entrada. Eu, completamente apavorado com a situação, queria ficar bem ali e esperar que alguém tivesse nos visto e viesse me tirar daquele buraco assustador. Seria a única desculpa que eu aceitaria para não seguir em frente.
Logo no início eu pedi para montar o tripé, afinal de contas fui lá para fotografara. Ela já estava ficando nervosa e disse pra deixar isso pra depois, queria se afastar o mais longe possível da entrada, pois tinha medo que a polícia viesse atrás de nós... justamente o que eu mais queria.
Não teve jeito, tive que segui-la, afinal de contas ela tinha o mapa e aos poucos um labirinto de túneis começaram a surgir diante de nós.
A primeira crise de ansiedade aconteceu mais ou menos uma hora depois de ter entrado. Paramos numa espécie de caverna onde tinha uma placa, era uma homenagem a um rapaz que tinha se perdido e foi encontrado morto anos atrás, se não bastasse ela resolveu me avisar que não estava entendendo direito o mapa e que não sabia em que direção deveríamos ir.
Comecei uma luta incontrolável com os pensamentos ruins que insistiam em aparecer: e se eu ou ela passar mal? quando tentava expulsar essa ideia lembrei que li uma matéria na National Geographic e o jornalista, quando entrou nas catacumbas, estava acompanhando de uma geóloga que sempre media o nível de oxigênio. Como que minha mente foi buscar essa informação lida há meses?
Olhei em volta, um silêncio absoluto, se não fosse pela luz de nossas lanternas, a maior escuridão em que já estive. Por sorte ela decidiu que deveríamos continuar em uma direção que ela achou razoável e eu, numa maneira desesperada de tentar tomar frente a situação começei a procurar entender aquele mapa.
Paris é a cidade do mundo com uma vida subterrânea mais agitada. São aproximadamente 300 quilômetros de túneis mapeados, desses apenas 2 quilômetros são abertos ao públicos e qualquer turista pode visitar, são as famosas catacumbas com os ossos bem organizados em pilhas... uma atração interessante, mas nada comparado ao que estávamos nos propondo a fazer.
Apesar de ser proibido, uma grande quantidade de franceses frequentam esses lugares, são os chamados catafilistas e fazem parte de uma comunidade que se sente bem em estar em um lugar longe do conturbado mundo exterior. Eles passam vários dias, organizam festas ou apenas ficam horas saboreando a paz do subterrâneo.
Andamos umas três horas antes de encontrar alguém. A sensação de ouvir algum barulho depois de tanto tempo quieto ou só falando com ela, foi de alívio, mais ao mesmo tempo assustador, quem seriam? Afinal de contas esse era um cenário ideal para um filme de terror.
Senti que ela também ficou apreensiva. Tentei contato - Bonjour, nada... Salu... nada. O jeito foi chegar perto, eram dois rapazes e se mostraram bastante amigáveis, como todas as outras pessoas que conhecemos depois. Realmente existe um clima de união entre as pessoas que se conhecem lá embaixo, é como se só pelo fato de estar passando por aquilo, algo em comum aproxima as pessoas.
A primeira coisa que ele nos perguntou era se tínhamos uma bússola? A gente se olhou por um instante e ficamos vermelho de pensar em como éramos primários. Lembrei da bússula que tem no telefone e que eu nunca pensei que fosse usar e fui olhar se funcionava lá embaixo, graças ao Steve Jobs, poderíamos caminhar mais confiantes.
A história dessa Paris subterrânea data da era Romana, quando começaram a escavar pedreiras, de onde retiravam Calcário para a construção da cidade que fica onde hoje é a Île Saint-Louis.
Já no século 12, parte do calcário usado na construção da catedral de Notre-Dame, iniciada em 1163, veio do subsolo na margem esquerda do rio, onde estão a maior parte das catas. Uma cidade subterrânea foi se abrindo no decorrer dos séculos para construir a Cidade Luz.
A história dos ossos depositados nas catacumbas são do século 18 e 19, quando os cemitérios superlotados foram esvaziados e os ossos jogados nessas pedreiras. Partes deles formam as catacumbas, com os esqueletos bem organizados para turistas tirarem fotos, mas atrás desse muro de ossos, existem outras centenas de esqueletos desmembrados amontoados por entrem os túneis.
Continuamos em direção ao sul, procurando um dos lugares mais frequentados – “a praia”, uma série de cavernas, todas pintadas por vários artistas, como disse uma museóloga amiga minha, a Cristine Pieske, uma verdadeira demonstração de arte underground.
Ao longo do caminho eu já havia me acalmado, a Anna também estava mais confiante e aos poucos fomos sentindo os prazeres do subsolo. Depois de ter vencido a crise de ansiedade, uma enorme paz tomou conta de mim e comecei a fotografar. Eu estava no ambiente espiritual que eu mais gosto de estar e só chego nesse lugar quando escuto uma voz interior que me manda fazer coisas que a maioria acha um absurdo, foi assim em Chernobyl, foi assim quando larguei minha vida em São Paulo e passei 8 meses na Inglaterra fotografando os imigrantes e tem sido assim desde que iniciei essa carreira.
Quando chegamos na ‘praia’, horas depois de termos entrado pela boca de bueiro, a Anna e eu estávamos em perfeita sintonia, como se nos conhecêssemos há anos, cheguei até a pensar que eu poderia casar e ter filhos com ela. Abrimos nossas bolsas e fizemos uma refeição das mais prazerosas. Ela tinha levado algumas velas e começou a decorar o lugar e eu peguei minha câmera, o tripé, a luz e começei a transformar em imagens toda aquela intensidade de emoções que tomava conta de mim.
Mais uma vez experimentei a sensação de fotografar com tanta confiança que não precisava olhar a imagem no visor da câmera, apenas passava pra outra fotografia tendo a certeza de que eu tinha a foto que eu desejava, a ansiedade neste momento estava a zero. É assim, completamente conectado com minha alma que eu gosto de fotografar, e ali, metros abaixo da cidade de Paris, era o lugar perfeito para fazer isso.
Depois de umas duas horas andando pelas cavernas, senti um vontade grande de dormir, encontrei um buraco bastante confortável e deitei, quando acordei levei um susto, com aquele teto tão baixo e o cheiro forte de mofo, sai rápido dali e fui encontrar minha parceira que também tinha tido sua experiência pessoal.
Saímos a procura de outro lugar que o mapa nos indicava, “O Castelo”, mas logo encontramos um animado grupo de 5 jovens que nos guiaram até lá.
Depois disso outros grupos foram chegando, alguns deles traziam sons, bebidas e faziam suas festas. Fomos ao Castelo e a um lugar imprecionante. Depois de nos arrastarmos por um buraco assustador chegamos a um câmera chamada de “Cinema”, onde literalmente levam projetores e passam filmes. As paredes são todas pintadas com imagens que lembram grandes filmes ou grandes personalidade do cinema.
Ficamos horas por ali. Na tentativa de sair nos perdemos. Agora éramos um grupo de 7 pessoas, eu estava bem no meio, em um labirinto de canais apertados e com água pelo joelho, isso quando não era necessário andar com os pés na parede, metade do grupo foi por um lado e metade pro outro, eu fiquei no meio, e sai correndo até encontrar a Anna, mas depois de tudo que tínhamos passado, essa era apenas uma brincadeira.
Voltando pro hotel, completamente coberto por uma lama bege, estava orgulhoso das mais de 24 horas passadas dentro dos túneis, foi quando descobri que um catafilista sério passa até uma semana sem sair do subterrâneo, mas essa informação não chegou a assustar a minha autoconfiança e continuo com a enorme sensação de ter feito um bom trabalho, algo que câmera fotográfica nenhuma pode me dar, nem um programa de tratamento de imagem pode fazer no meu lugar... só eu e minha enorme vontade de ver o mundo... mais um capítulo para o meu “Vazios Humanos”...
Esta imagem abaixo é uma das fotos que usarei no projeto, as outras mostro na exposição que se Deus quiser acontecerá ainda este ano...

terça-feira, 26 de junho de 2012

Viagem A Chernobyl.


Até hoje, meses depois de ter voltado de Chernobyl, as pessoas perguntam o que eu fui fazer lá. Como fotógrafo sinto que a profissão é cada vez mais uma razão para poder ir a lugares que, caso não fosse pela fotografia, eu não iria. É comum ouvir esse discurso da boca de fotógrafos - a fotografia como passaporte para o mundo, mas é verdade, é assim mesmo que a gente se sente.
Quando o acidente de Chernobyl aconteceu eu era um menino, lembro de ter visto as reportagens e, em diferentes épocas da minha vida, ver fotos e ficar intrigado com aquela paisagem abandonada.
Nos últimos anos tenho me interessado muito pela relação que a fotografia tem com a memória, não só porque cada fotografia, assim que é feita vira uma imagem do passado, mas pelo tema, procurar trabalhar com as marcas do passado na paisagem, as pegadas que o ser humano deixou naquele lugar que eu visito, gosto de falar sobre o ser humano através da ausência dele...
Aqui, algumas das fotos dessa viagem que aconteceu em julho de 2011.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Chernobyl Pripyat Vestígios da Existência


Ano passado, alguns meses depois de ter voltado da Ucrânia o Sesc Vila Mariana, aqui em São Paulo, abriu uma exposição com 50 fotos do meu trabalho em Chernobyl. Atendendo a pedidos de alguns dos meus alunos e pessoas que conheci ou reencontrei nos últimos meses, publico aqui algumas fotos da exposição, que aconteceu de 19 de outubro a 18 de dezembro de 2011.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Tarde de Sol em Kiev



Estas fotos foram feitas em julho do ano passado, em Kiev, capital da Ucrânia, quando estive lá para fotografar Chernobyl. Era um domingo, penúltimo dia meu na cidade, estava satisfeito por ter conseguido cumprir com todas as expectativas sobre a viagem. Aos fins de semana, a Avenida principal é fechada e vira uma grande calçada.

Gosto dessas fotos pois posso gerar algumas discussões sobre o ato de fotografar pessoas hoje em dia. O direito, ou não, de ser fotografado - comentários que nós fotógrafos ouvimos quando tentamos fotografar em público, sem pedir autorização.

Não quero apontar nenhuma ideia fechado sobre o que penso disso, quero apenas compartilhar essa experiência, que no final me deixou bastante satisfeito.

Aprendi a gostar de fotografia vendo uma amiga trabalhar, a Milla Jung, uma grande fotógrafa radicada em Curitiba. Quando começei a estudar o ofício me apaixonei de pronto pela obra de Robert Frank e quase todos outros fotógrafos que eu me interessava tinha um trabalho genial de "street photography".

Entramos no século XXI, a internet e suas redes sociais tomaram conta do pedaço e passamos a estabelecer uma outra relação com o ser humano, o que muda bastante a maneira de se fazer fotografia hoje em dia.

Neste dia, acompanhado por um grande sentimento de felicidade, eu comecei a andar pelas ruas movimentadas de Kiev, peguei minha câmera e senti vontade de me relacionar com as pessoas daquele país que eu tinha gostado tanto.

Decidi então que eu não iria pedir nenhuma autorização para fotografar, não verbal, pelo menos. Eu acredito que parar alguém, dizer que é fotógrafo e que gostaria de fazer uma imagem dela, joga por terra a oportunidade de ter uma imagem sincera.

Eu também não poderia me esconder atrás de uma tele 800mm e ficar 'roubando' as cenas, jamais me sentiria a vontade em fazer isso. Gosto do contato visual, faço questão que a pessoa me observe, assim como eu a estou observando.

Vendo essas fotos, vejo que foi justamente isso o que aconteceu, um jogo onde eu estava a todo tempo olhando para o outro e sendo visto por ele, em alguns casos, de uma maneira bastante forte.

Passei algumas horas travando contato com pessoas que chamavam minha atenção. Não precisei pedir verbalmente para que eu as fotografasse. Eu olhava a pessoa até ela perceber que eu estava olhando, dava um sorriso, colocava a câmera diante do meu rosto e fazia a foto. O que eu via depois disso é o que compartilho com vocês aqui...