quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Crônica de uma cidade mal-educada


O mês de janeiro choveu muito em São Paulo, acompanhei pela internete os casos de alagamentos, as tragédias anunciadas de uma cidade que a cada ano recebe mais habitantes e os problemas aumentam.

Voltei na semana passada e só hoje peguei ônibus. Não tenho carro, sou uma das poucas pessoas que se recusa a botar mais um carro nessa cidade onde a quantidade de veículos é justamente um de seus maiores problemas.

Num almoço de fim de ano de uma das empresas que presto serviço, uma das colegas de trabalho, ao falar de meu atraso e fazendo uma associação a minha viagem para Europa disse: “Tá vendo não tem carro pois gasta todo dinheiro indo para Paris”.

Não tenho automóvel por opção, talvez seja difícil entender isso, num lugar onde para maioria ter carros é um estátuo social.

Hoje em dia é possível fazer financiamentos de até 80 meses, o que facilita a compra e a cidade vai ficando cada vez mais cheia de automóveis que, além de poluir, ocupam um lugar enorme nas ruas com geralmente uma pessoa dentro.

Depois dessas semanas em Paris e Londres, onde o transporte coletivo é usado pela grande maioria das pessoas, peguei um ônibus que estava indo pra Avenida Paulista.

Logo que sentei recebi a ligação de um amigo que está numa praia de Santa Catarina. Ele começou a descrever o lugar que estava e eu, meio que na ironia, relatava a minha paisagem urbana.

Três filas na minha frente tinha uma moça loura sentada num desses bancos individuais. Eu tinha reparado nela no ponto, estava bem vestida, usava uma roupa de marca, um tênis bacana e pelo cheiro de sabonete, tinha acabado de tomar banho.

Enquanto o Marcelo contava que estava numa barraca tomando água de coco e olhando para um mar lindo, essa moça abriu uma barra de cereais que devorou em menos de três mordidas, levantou seu corpo malhado, esticou o braço e jogou a embalagem pela janela, desprezando que há menos de 20 metros dela tinha um lixo.

Quando percebi estava relatando a triste realidade que eu via, em um tom bastante irritado para meu amigo que deve ter dado graças por estar bem longe.

É difícil demais voltar a São Paulo e ver que nada muda. Mesmo depois de um mês de vários alagamentos e mortes por causa das chuvas e do lixo que, embora muita gente acredita, não vira pó quando você o joga pela janela.

Esta cena se repetiu várias outras vezes pelo dia afora. Peguei mais uns 5 ônibus, e vi pessoas jogando coisas pelas janelas em três deles e, enquanto eu esperava num ponto de ônibus na Paulista vi a janela de um carrão, vermelho, parecendo ter saído da concessionária há algumas hora, abaixar o vidro e jogar, sem a mínima cerimônia, uma lata vazia de refrigerante.

Será tão difícil assim perceber que o lixo jogado no asfalto vai entrar no bueiro e blá blá blá, dá para entender o que vai acontecer, não? Ainda mais numa época de chuvas fora do comum como agora.


Em Londres as pessoas pagam uma taxa alta se quiserem circular de carro pelo centro da cidade. Em São Paulo o preço pra se usar veículos em qualquer parte é bem mais alto, um trânsito caótico que acaba com a paciência de qualquer um.

Durante muito tempo tomei cuidado com as comparações entre Brasil e Europa, pois não queria parecer esnobe, mas desta vez perdi totalmente o pudor, nós brasileiros temos muito o que melhorar e olhar pra onde as coisas funcionam é um bom começo.

Ontem no Estadão o Arnaldo Jabor, em seu artigo semanal disse, falando da corrupção, que ainda existe uma luz no fim desse túnel imundo.

É justamente por acreditar nisso que eu gostaria de poder contar para todo mundo as coisas que dão certo lá fora e que, já que estamos crescendo, temos que começar a tomar consciência e pensar mais em cidadania, em respeito...
Espero não estar sozinho nisso.

Algumas das fotos desse post são de detalhes das obras de arte do pernambucano Abelardo da Hora, que está no vão livre do MASP, na Avenida Paulista.
Nome da mostra – “Amor e Solidariedade”